Pergunto porque uma democracia actual e pluralista insiste em festejar e fazer feriado nacional em memória de um regime que foi um autêntico desastre quando hoje a República que existe em Portugal nada tem a ver com aquela que foi implantada a 5 de Outubro de 1910.
Os republicanos derrubaram um regime que honrava os princípios do Estado de Direito e representativo. Era a concepção de cidadãos iguais entre si, o primado da lei, a separação de poderes e o equilíbrio entre si. Todavia, o chefe de Estado era o Rei. Mas o rei não era uma figura decorativa: O Rei escolhia o primeiro ministro e ajudava a encontrar maiorias parlamentares. E os políticos aceitavam a arbitragem do rei.
Quando a monarquia constitucional passou a ser governada pelas esquerdas – os chamados liberais – que começaram a atacar publicamente o jovem Rei D. Manuel a agitação política teve um ambiente propicio: Os portugueses, por várias razões, estavam mais pobres e então foi fácil insinuar que a causa estava nos maus governos e que estes eram o resultado da escolha do Rei. Remédio? Extinguir o cargo de Rei. E quase passou a haver consenso nessa doutrina. O problema estava no agente dessa extinção: O Partido Republicano Português (PRP).
A revolução republicana foi levada a cabo por oficiais que se juntaram ao PRP e indisciplinaram a guarnição de Lisboa o que levou D. Manuel II a fugir para a Inglaterra e porque ninguém levantou um dedo para o defender.
Os liberais que governavam o país sob a monarquia achavam que depois continuariam a governar sob a república, depois de usarem o PRP para se livrarem do Rei. Estavam redondamente enganados.
O PRP apareceu em 1870 mas só cresceu desde 1906 com o agravamento da crise monárquica e captou vários descontentes de todos os lados. Mas acabaram por ser mais radicais que os marxistas, senão vejamos: Antes da revolução bolchevista na Rússia, em 1917, o marxismo socialista não estava identificado com subversão, mas sim com a organização de operários e a representação parlamentar.
Aquilo que distinguia o PRP dos marxistas era que o PRP confiava na “acção Directa” ou seja, na possibilidade da violência revolucionária transformar a sociedade naquilo que o PRP queria.
E começaram por recusar o compromisso dos liberais: Estes tinham mantido a monarquia e a Igreja. Os republicanos queriam acabar com isso tudo. Inventaram então uma guerra contra a Igreja. O objectivo da Lei da Separação entre a Igreja e o Estado foi o primeiro passo para extinguir o catolicismo. Ao fazerem isso, o PRP deu ao regime um objectivo programático que só poderia ser alcançado se o PRP estivesse no poder. Por isso, às primeiras eleições de Maio de 1911 só apareceram candidatos sancionados pelo PRP. Na maior parte dos círculos houve apenas uma só lista de candidatos e por isso o governo da República decidiu proclamá-los deputados imediatamente, dispensando a formalidade de uma votação. Surgiu assim a primeira assembleia “representativa” do regime: escolhida pelo PRP, sem participação dos eleitores. Começou a perceber-se que “democracia” ia haver em Portugal com o PRP.
Portugal passou o século XX a pagar a factura do 5 de Outubro. A revolução comprometeu os fundamentos institucionais e culturais de uma democracia representativa:
Com o 5 de outubro, Portugal tornou-se propriedade de um partido que não admitia a rotação no governo. Para defender o seu monopólio, o PRP nunca teve problemas em desrespeitar a legalidade e as garantias dos cidadãos e ainda tratou de garantir qualquer surpresa eleitoral: negou o direito de voto àquela parte da população próxima do clero: as mulheres e as populações rurais, através do subterfúgio de excluir os analfabetos. Os republicanos obtiveram deste modo um eleitorado reduzido e controlável.
Para se ter uma ideia: Sob a monarquia, em 1878, 72% dos homens adultos tinham direito ao voto. Em 1925 só 14,25 podiam votar. Enquanto resto da Europa alargavam o direito de sufrágio a todos os homens adultos e até às mulheres, Portugal foi o único a restringir esses direitos.
Depois de 1910 o sectarismo oficial minou a ordem jurídica a as sucessivas conspirações e golpes criaram um clima de incerteza e desconfiança. A intervenção na I Guerra Mundial, o número de mortos, as despesas recorrentes fez registar a maior inflação de sempre. A fuga de capitais, a evasão fiscal, a bancarrota.
Perante isto, nenhum governo parlamentar poderia resistir. Só o exército conseguiu destruir esta máquina em 1926. Depois o governo de Salazar acolheu os monárquicos, os católicos e a direita revolucionária. Se não havia muita liberdade, a verdade é que também não havia no tempo do PRP.
Não se pode dizer que a I Republica tenha começado bem!