Personalidades da Cultura pedem reconversão da antiga Manutenção Militar

Várias personalidades da cultura estão entre os primeiros subscritores de uma petição pública que pede "a continuidade" do projeto de reconversão da antiga Manutenção Militar em Lisboa, entregue ao anterior Governo.

© Museu Lisboa

Os músicos Camané, Gisela João, Paulo Furtado (The Legendary Tigerman), Ricardo Ribeiro, Selma Uamusse, Tó Trips e Xana (Rádio Macau), os ilustradores André Carrilho, Cristina Sampaio, João Fazenda e Nuno Saraiva, as atrizes Inês Castel-Branco e Margarida Vila-Nova, os fotógrafos Augusto Brázio, Clara Azevedo e Mário Cruz e o musicólogo Rui Vieira Nery são alguns dos primeiros 53 subscritores da petição, que foi colocada online na segunda-feira.

Em declarações à Lusa, em nome do coletivo de subscritores, à porta do espaço que querem preservar como património público e que serviu de sede à Jornada Mundial da Juventude 2023, José Sá Fernandes resumiu o objetivo da petição: “que Lisboa não perca este território espetacular”.

Finda a JMJ, o jurista foi nomeado pelo anterior Governo (PS) para apresentar uma proposta para dinamizar o complexo de sete hectares situado no Bairro do Grilo, na freguesia do Beato, onde outrora eram fabricados e armazenados os alimentos para o Exército.

José Sá Fernandes cessou funções a 31 de dezembro, entregando um projeto de reconversão dos 15 edifícios espalhados pelo espaço, que passariam a ser casas de música, teatro, fotografia, ilustração, dança, cinema, som, moda, artes plásticas e jornalismo, bem como centros dedicados ao azeite e ao vinho, preservando os silos e os lagares ali existentes.

“É uma oportunidade única de juntar todas estas artes”, sustenta o jurista, realçando que o espaço pode ser um lar para todos os “desalojados culturais” e “um ponto de encontro”.

O projeto prevê igualmente construção nova, que “faz falta a Lisboa”, nomeadamente 200 habitações de renda acessível, duas residências para estudantes e alojamento temporário para populações em situação de vulnerabilidade, e “podia ser também a casa da freguesia, que tem a sede a cair de podre”, nota Sá Fernandes.

“Não podemos perder isto”, vinca, lembrando: “Trabalhei muito no último ano para que isto acontecesse. Acabei as minhas funções, mas não acabei as minhas funções cívicas, precisamente [as de] ajudar este conjunto de artistas e de vontades.”

No texto da petição, a que a Lusa teve acesso, os subscritores pedem a “concretização” do projeto de requalificação, “de forma a responder às prementes necessidades habitacionais, sociais, culturais e estudantis da cidade e do país”.

Em concreto, solicitam ao atual Governo (PSD-CDS/PP) que “dê continuidade ao projeto de reconversão que se encontrava em curso, garantindo a alocação dos recursos necessários para a sua concretização”.

Sá Fernandes desconhece o que o Governo vai fazer com o projeto entregue, que resultou de um ano de estudos técnicos (sondagens, levantamentos topográficos, arquitetónicos e de infraestruturas), e que poderia fazer “a diferença” no Beato.

“Não tenho indicação nem de uma coisa nem de outra”, diz, deixando, porém, um alerta: “Tinham-me dito que isto ia para a Estamo [empresa que gere o património do Estado] e ir para a Estamo, enfim (…), é um indício de que poderá ir para venda.”

Segundo a proposta entregue por Sá Fernandes, a reconversão do complexo seria feita faseadamente, ao longo de quatro anos, com um custo total de 50 milhões de euros.

O autor admite alterações ao projeto original, desde que este continue a ser “para toda a gente”.

“Não precisa de ser ‘ipsis verbis’ [tal e qual como está], é preciso é que se dê continuidade a uma vontade coletiva e a uma necessidade que Lisboa tem”, assinala.

José Sá Fernandes cessou funções a 31 de dezembro, entregando um relatório com as suas “preocupações” e tramitando os processos ainda em curso, por exemplo os levantamentos arquitetónicos do espaço.

“Deixei tudo como estava”, diz, reportando que devolveu o equipamento e o mobiliário usados na JMJ ao Estado.

A grande maioria dos edifícios do complexo está agora fechada, incluindo as alas que ainda albergam duas exposições, uma de fotografia e outra de ilustração, que puderam ser visitadas efemeramente, em novembro, quando Sá Fernandes quis mostrar o potencial do espaço ao público.

Designers, editores, encenadores, fotógrafos, ilustradores, jornalistas, gestores, programadores e produtores culturais mantêm a esperança de ver nascer o “Bairro do Grilo” como “um polo dinâmico, inclusivo e dedicado à aprendizagem, à cultura e à partilha de experiências”, lê-se na petição (disponível em https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT123788).

“O sonho é a última coisa a morrer”, diz Sá Fernandes, lembrando a peça de teatro de Raul Solnado “Há petróleo no Beato”, para dizer que “este é o petróleo de hoje, a cultura para todos, para toda a gente”.

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