Crime e Castigo: a bala de Charlie Kirk confessa-se

“Eu sou a bala. A minha função era simples: atravessar o ar, cumprir a ordem, pôr fim a uma vida. Depois do disparo, porém, nada é simples. A própria morte, por vezes, ganha vida própria. Perfurada a jugular de Charlie, senti o orgulho próprio da missão cumprida: matar.

Contudo, brotando do silêncio que impus, comecei a ouvir vozes – milhões delas, de Orem, no Utah, a Seul, na Coreia do Sul. Não era suposto. Não estava previsto. Matei… e, nessa morte, dei vida. Quis enterrar uma voz – e multipliquei-a por cem, por mil, por milhões.

Cada Charlie que se ergueu no instante em que Charlie tombou carrega em si um estilhaço do meu metal, convertido em semente. Traída pela própria lógica do ferro que me forjou, fui feita para fechar, e abri. Feita para calar, amplifiquei. Feita para ceifar, semeei.

Até o meu atirador, que me lançou com mão firme, foi atingido pelo ricochete invisível, e nele cravei também a minha culpa. Sou um erro absoluto, o crime e o seu próprio castigo, um Raskolnikov de chumbo cujo castigo é eterno: existir para sempre como a bala que, acertando, falhou. Eu sou a bala que, no ato de matar Charlie, o tornou imortal.”

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