“Vital levava o vinho e as discussões prolongavam-se pela noite fora entre uma das figuras centrais dos comunistas na Assembleia Constituinte e o constitucionalista que tinha materializado e idealizado o projeto de Lei Fundamental apresentado pelo CDS”, lê-se no livro sobre a relação com Vital Moreira, que posteriormente abandonou o PCP e foi deputado independente eleito pelo PS e eurodeputado.
A questão constitucional atravessa todo o percurso de Lucas Pires, desde o parecer que fez a pedido de Diogo Freitas do Amaral para o projeto constitucional dos centristas na Constituinte, que sairia derrotado, com o voto contra do CDS, o único, ao texto aprovado, até às suas teses e trabalhos académicos.
Nuno Gonçalo Poças tinha em Lucas Pires “a referência daquela área da direita liberal”, mas após concluir o trabalho para o livro, fortaleceu a convicção de que foi “uma personalidade aparentemente secundária do regime nestes 50 anos”, mas que “teve um papel mais importante do que se possa pensar”.
“Nas revisões constitucionais, no equilibro do sistema constitucional, nas revisões de 1982 e 1989, na revisão informal que foram a adesão à Comunidade Europeia e à moeda única, nalgum reequilíbrio do sistema político partidário”, sustentou.
“E depois, para o campo da direita liberal não foi uma das figuras, foi a figura maior em Portugal. O próprio PSD de hoje, ou a partir de 1990/91, não seria o mesmo sem o papel dele, este PSD na esfera do PPE, quase inquestionavelmente um partido do centro direita, isso também se deve ao trabalho dele”, defendeu Nuno Gonçalo Poças à Lusa.
O autor considera que Lucas Pires “esteve sempre 20 anos ou mais antes do tempo”, nos “últimos 50 anos, não houve ninguém assim”, o que “em política é um bocadinho fatal”, atribuindo a isso algumas das suas derrotas eleitorais.
O livro inicia com as raízes familiares e o período de estudante e jovem professor em Coimbra, em que pertenceu às iniciativas da direita e da direita radical, como a revista Política, e editora Cidadela e a associação Programa, e termina com a transição e afirmação de uma base liberal, com a sua estada na Alemanha Ocidental, com uma bolsa da Gulbenkian, para estudar na Universidade de Tubingen.
A segunda parte do livro, dividido em quatro, passa pelo “lado direito da revolução”, pelo CDS, e pela sua participação enquanto ministro da Cultura do Governo da Aliança Democrática chefiado por Francisco Pinto Balsemão, e a terceira parte é sobre os seus tempos na presidência do CDS, o “programa para uma sociedade aberta”, saído do chamado Grupo de Ofir, de pendor liberal, até às legislativas de 1985.
É na última parte do livro, dedicada ao período entre 1987 e 1998, ano da sua morte, que se aborda o “tempo de mudança”, a sua desfiliação do CDS, aproximação ao PSD, primeiro enquanto independente, depois como militante (adere durante a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa), até à afirmação como “político-intelectual europeu”.
Todo o percurso é atravessado por essa ideia de que “a luta política nasce da lealdade de reconhecer nos outros a mesma capacidade que se reconhece em nós”, e de isso estar no centro da sua ideia liberal.
“É o próprio espírito liberal da pessoa que dita isso”, resume Nuno Gonçalo Poças.
“O `Pirismo` nunca existiu, precisamente porque ele nunca cultivou a lógica da liderança carismática, embora a tivesse, e esse espírito de claque e de trincheira política. Hoje em dia seria muito difícil alguém ter sucesso nessa lógica”, considerou.