Além das paredes: Reflexões sobre a habitação

A habitação em Portugal é, sem dúvida, um tema complexo e multifacetado no que toca à vida de todos os cidadãos.

De acordo com o artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), todos têm direito a uma habitação condigna. No entanto, a realidade atual mostra-nos um cenário preocupante e diverso, onde muitas famílias enfrentam dificuldades significativas para assegurar um lar digno e acessível.

Portanto, torna-se necessário abordar os principais desafios no setor habitacional e propor soluções.

Primeiramente é crucial reconhecer a discrepância que existe entre a oferta e a procura na habitação. As grandes áreas metropolitanas, como Lisboa e Porto, têm vindo a registar um crescimento exponencial na procura, impulsionado pelo aumento da população, litoralização, sem que haja uma resposta adequada em termos de nova oferta habitacional. Este desequilíbrio tem levado a um aumento exponencial dos preços, tanto para compra como para arrendamento, colocando a habitação fora do alcance de muitas pessoas. Para enfrentar este problema, é essencial promover parcerias público-privadas (PPP) na construção de novas habitações.

Por outro lado, existe uma quantidade significativa de imóveis públicos, desde
propriedades rurais a edifícios urbanos, que permanecem desabitados e devolutos. Esta inação representa uma oportunidade perdida numa altura em que a falta de habitação é tão acentuada. O Estado deve realizar uma auditoria de forma a dar a conhecer os seus bens imobiliários, com o objetivo de reabilitar e colocar no mercado esses imóveis. Não se trata apenas de vender ou arrendar propriedades, mas de adotar uma postura proativa que promova o uso eficiente dos recursos disponíveis, sem cair numa cegueira ideológica.

Para além disso, é importante debatermos acerca do Imposto Municipal sobre
Imóveis (IMI). É paradoxal que, numa sociedade que valoriza a propriedade privada, os proprietários sejam sobrecarregados com um imposto anual sobre um bem que já adquiriram. A redução progressiva do IMI, descentralizando esta função para os municípios, até à sua eventual eliminação, seria uma medida justa e incentivadora, aliviando a pressão fiscal.

A simplificação, codificação e desburocratização da legislação relacionada
com licenciamentos e construção é uma necessidade urgente. A publicação de normas avulsas e a burocracia excessiva complicam e retardam os processos de construção, desmotivando investidores e encarecendo os projetos. Uma revisão abrangente da legislação, que a torne mais compacta, clara e acessível, pode acelerar os processos e reduzir os custos associados.

Além disso, deve ser fomentado o modelo de “built to rent” (construção
para arrendamento), no qual poderá ser uma solução eficaz para aumentar a oferta de habitação acessível. Este modelo, já aplicado com sucesso em outros países europeus, Suíça, Alemanha, implica a construção de imóveis especificamente para arrendamento a longo prazo.

Por último, uma eventual redução do IVA na construção é uma medida que poderia ter um impacto significativo na redução dos custos de construção, tornando os projetos habitacionais mais viáveis e acessíveis. A aplicação de uma taxa reduzida de IVA para a construção de habitações não só estimularia a construção de novas unidades, como também incentivaria a reabilitação de edifícios existentes, existindo uma regeneração urbana.

O futuro da habitação em Portugal depende da capacidade de todos os setores da sociedade de trabalharem juntos para implementar soluções inovadoras e eficazes. A adoção de políticas que promovam a construção acessível, a reabilitação de imóveis devolutos e a eliminação de barreiras burocráticas pode transformar o mercado habitacional, tornando-o mais justo e acessível.

Com um compromisso sério e ações coordenadas, é possível garantir que todos os portugueses tenham acesso a uma habitação digna, cumprindo assim o espírito da nossa Constituição e garantindo um futuro próspero.

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