Vivemos numa república. Uma república laica, liberal, progressista, democrática e — dizem eles — moderna. Uma república onde o Presidente da República é eleito, onde os partidos se engalfinham em debates sobre o sexo dos orçamentos e onde o Estado é gerido como se fosse uma empresa em falência permanente. E, no meio de tudo isto, há monárquicos.
Sim, monárquicos. Pessoas que acreditam, com convicção serena e quase poética, que o Chefe de Estado não devia ser um reformado da política partidária com bom desempenho nas sondagens, mas sim um símbolo vivo da continuidade histórica da Nação. E mais: que essa figura não devia a sua posição a votos, mas sim ao sangue. À linhagem. Ao dever.
E o que fazem esses monárquicos? Criam um partido? Montam um contra-Estado simbólico? Espalham clandestinamente retratos do Senhor Dom Duarte pelos cafés? Não.
Inscrevem-se nos partidos da república. Alguns até se candidatam. Fazem campanha.
Votam em comissões políticas e redigem moções sobre “valores”. Alguns, pasme-se, ambicionam ser ministros. Ou deputados. Numa república!
É aqui que a farsa atinge o seu clímax: o monárquico que acredita no Rei… mas sonha ser Presidente da Junta.
A verdade inconveniente é que ser monárquico numa república devia ser, por natureza, um ato de contra-regime. Um pequeno escândalo institucional. Um gesto de dissidência educada, mas convicta. Um sinal de que nem todos se renderam ao pragmatismo da alternância partidária e às presidências decorativas com juras de fidelidade à Constituição de 1976.
Ser monárquico na república devia ser o equivalente político de ir à missa numa sociedade secularizada: um testemunho de fé contra a corrente. Uma resistência silenciosa, mas firme.
Um incómodo constante para os zeladores do sistema. Mas não. Muitos preferem a confortável contradição de integrar partidos republicanos, disputar cargos públicos republicanos, prometer reformas republicanas — tudo isso enquanto sonham, secretamente, com a Coroa. Querem defender a Monarquia… mas não ao ponto de abdicar de um cargo no executivo.
Talvez esteja na hora de os monárquicos assumirem a sua posição: ou são pela Coroa ou pelo cargo. Ou pela instituição perene, ou pelo mandato a prazo. Porque se há algo que um verdadeiro monárquico não devia ser — é político. Pelo menos, não no regime dos outros.
Num tempo em que tudo se confunde — valores, convicções, partidos, e até ideologias — talvez seja altura de clarificar: o monárquico que se sente demasiado confortável na política republicana não está, de facto, a defender a Monarquia. Está apenas a jogar um jogo que, no fundo, já aceitou perder.