O caso do navio “Angoche” permanece um dos grandes mistérios da guerra colonial, ou seja, mais um crime que ficou impune.
O navio zarpou de Nacala no dia 24/04/1971, rumo a Porto Amélia, em Moçambique, carregado com mantimentos, armas e munições nos seus porões destinadas às unidades de combate portuguesas no Norte dessa colónia. Levava a bordo 23 tripulantes e um passageiro, que se desconhece por completo a sua identidade
No dia 27/04/1971, um petroleiro depara-se com este navio à deriva, com um incêndio a bordo e sem qualquer pessoa a bordo, apenas um cão e um gato. Mas com os paus de carga levantados e os porões abertos. E foi assim que foi rebocado para Lourenço Marques. Ora os paus levantados não podiam ter sido accionados pela tripulação do petroleiro que esteve a bordo, pela simples razão que estavam danificados pela explosão e pelo fogo, que destruíram na casa das máquinas as fontes de energia eléctrica que movimentavam esses paus de carga. Ora o navio saiu de Nacala com os paus de carga horizontais, como é normal. Portanto não há dúvida que o “Angoche” foi abordado em alto mar por outra embarcação e durante essa abordagem os paus de carga funcionaram, o que explica o porão aberto e a jangada lançada ao mar.
De referir que passados 15 dias da ocorrência aparece uma balsa do Angoche, vazia e à deriva, com a inscrição no seu interior “Agoche, 23 pessoas, Lisboa”. Mas não eram 24?
Podemos concluir que se os paus funcionaram e o porão foi aberto e saqueado, foi por outro navio, que o acostou e que explica o profundo vinco no casco, com uma tinta mais escura. Só depois de completada a operação é que a tripulação abandonou o navio, sob coacção, tendo tido um destino que ignoramos. Mas a explosão e o incêndio são já posteriores ao abandono da tripulação. Depois com a pressa, os criminosos esqueceram-se de fechar o porão e de levantar os paus de carga, o que denota trabalho de amadores nervosos. O único aspecto em que parece terem tido êxito foi no desaparecimento da tripulação.
A versão do Almirante Vitor Crespo, porta voz do Alto Comissariado, num comunicado pós 25 de Abril, e repudiado pelos familiares do navio, refere: (…)
“Embora custe a acreditar, os 23 tripulantes e o passageiro que se encontravam a bordo do cargueiro, desapareceram nas águas do canal de Moçambique, não se encontrando, portanto, em parte nenhuma. Isto compreende-se melhor se recordarmos que o navio transportava bombas altamente explosivas, incluindo, de napalm para avião.
Este pormenor permite entender a atitude precipitada da tripulação em abandonar o navio, lançando-se ao mar sem utilizar sequer um salva vidas.”
Isto é um chorrilho de mentiras descaradas. É falso que o navio “Angoche” transportasse “bombas de napalm para avião. Isso é mentira pela simples razão que as bombas de napalm nunca foram transportadas, nem são, por navio, comboio ou camião.
Os técnicos sabem perfeitamente porquê: É que a mistura à base de nafta e fósforo, conhecida por napalm, pela facilidade artesanal da sua confecção, é sempre feita nas próprias bases aéreas de onde descolam os aviões que têm por missão fazer os bombardeamentos. O que se transporta para as bases são os ingredientes. O que pode haver é transporte de cápsulas de bombas, mas estes invólucros são inofensivos porque estão vazios de napalm.
Porquê tanta mentira descarada?
Mas então quem atacou o navio?
Ora, por exclusão de parte, nem a FRELIMO, nem o PCP, nem a ARA, nem o LUAR que eram em 1971 os maiores inimigos de Portugal dispunham de meios para uma operação de abordagem em alto mar.
Mário Soares, quando foi fazer uma conferência no Conselho da Europa, no Luxemburgo, confidenciou a um amigo do PS: “ O Melo Antunes está metido até aos cabelos no caso “Angoche”.” Pois é, é o Melo Antunes, capitão de Abril e ministro dos negócios estrangeiros, também implicado na morte de Delgado que é aqui referido.
Este foi um dos processos que, muito convenientemente, desapareceu dos arquivos da PIDE-DGS, após o golpe de estado de 25 de Abril.