Compositor César Viana estreia ópera “O Último Canto – Camões e o Destino” a 10 de junho

A ópera “O Último Canto – Camões e o Destino”, de César Viana, a partir do texto inédito em português “Camões”, de Vassili Jukovski, expoente do Romantismo russo do início do século XIX, estreia-se a 10 de junho, em Sintra.

© D.R.

 

A ópera coincide com as celebrações dos 500 anos do nascimento do poeta Luís de Camões (1524-1580), evidencia a sua situação de pobreza, as novas formas poéticas do autor de “Os Lusíadas”, e demonstra como a modernidade se constrói a partir da herança dos grandes mestres, segundo o compositor, em entrevista à agência Lusa.

César Viana, que também assina o libreto, reconheceu que o facto de assumir a criação musical e a autoria do texto “facilita algumas coisas”: “Quando estou a escrever o libreto já estou a apontar para coisas musicais que eu quero fazer”.

O compositor disse que apesar de o texto original russo ser poético, datado de cerca de 1830, teve acesso a uma tradução para português em prosa, “o que não facilitava”.

“Resolvi fazer de raiz, baseado no texto russo, com muita liberdade de fazer um libreto que ia já ao encontro dos meus objetivos expressivos e musicais. [Portanto], o ter escrito o libreto pode ajudar”.

César Viana disse que a trama dramática do autor russo fornecia um “ambiente e um contexto para uma criação de teatro musical”.

O texto de Vassili Jukovski (1783-1852) foi indicado a César Viana por um pianista seu amigo, depois de ter assistido à sua anterior ópera, “O Soldadinho de Chumbo”, e começou a “ler muito devagarinho”.

“O meu russo é limitado, mas percebi que tinha muito potencial. Entretanto a [associação] Música de Câmara encomendou uma tradução e comecei a trabalhar”.

Para o compositor o que ressalta nesta ópera “é a dialética entre o velho e o novo, e como nem sempre o presente faz justiça aos aspetos de novidade”.

“O facto de Camões ter morrido na miséria, é esse o contexto deste texto, em que o poeta está num hospício, e de alguma maneira, passa o testemunho à nova geração. De alguma forma o texto transmite a ideia, ‘tal como eu segui as pisadas dos antigos, da Antiguidade, e de Petrarca, tu vais seguir as minhas pisadas’, referindo-se a Vasco Quevedo Castelo Branco [1583-1665], um excelente poeta português, mas que não é muito amado porque viveu no período filipino [1580-1640], e não é particularmente valorizado por questões emocionais e patrióticas”.

Na ópera, “este Vasco ainda é um menino a quem Camões de alguma forma passa o testemunho”.

Por outro lado, a ópera evidencia as novas formas poéticas que Camões cultivou, e a sua situação de pobreza, a quem nem a tença dada pelo rei D. Sebastião ajudou a minorar, “apesar de não conhecermos os detalhes dessa tença”, acrescentou César Viana.

“Sabemos [que Camões] morreu anonimamente [em Lisboa], sem grandes honras, mas também é verdade ele era veneradíssimo por todo o mundo, pouco anos depois da sua morte. Cervantes, por exemplo, fala do grande e imortal Camões”.

“Pouco tempo depois [da sua morte] a sua reputação cresce. No reinado de Filipe IV, de Espanha, Filipe III, de Portugal [1598-1640], foi publicada uma edição d’’Os Lusíadas’, por Luís de Camões, o príncipe dos poetas espanhóis”, referiu.

A ópera “O Último Canto – Camões e o Destino” tem três protagonistas – Camões, Quevedo e o pai deste -, interpretados por um barítono, Luís Rodrigues, que desempenhará o papel de Camões, um tenor, Mário Alves, que desempenha o papel de Francisco Quevedo, e uma soprano, Daniela Matos, que será o jovem Vasco de Quevedo. Um grupo de seis cantores, que são as tágides, forma “um coro com um caráter muito solista”, diz o compositor.

A escolha de uma soprano para um personagem masculino era muito habitual no tempo de Camões, recordou César Viana.

“O ponto central do argumento é que Francisco de Quevedo, um próspero comerciante, quer que seu filho, Vasco, veja como acabam os poetas, na miséria para convencê-lo a seguir os negócios da família”.

Vasco, porém, segue a poesia. Camões “ficou impressionado com a nobreza da inspiração de Vasco e morre em paz”.

Sobre a ópera, o compositor disse que “o ponto principal é que a modernidade se constrói a partir da herança tremenda que recebemos dos grandes mestres de outrora e não com cortes radicais com o passado”. “Camões é precisamente um dos exemplos maiores dessa situação”.

Questionado sobre a técnica de composição, César Viana disse que, “de certa forma, parte de paradigmas composicionais da época de Camões, uma técnica que é o contraponto, em que não há melodias e acordes, mas sim melodias que geram uma situação harmónica, uma forma de compor que foi sendo abandonada ao longo da História da música. Eu peguei nessa forma de compor à qual chamamos contraponto, assumindo depois elementos melódicos mais modernos”.

A ópera “O Último Canto – Camões e o Destino”, com uma duração de cerca de 90 minutos, estreia-se no próximo dia 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, no Centro Olga Cadaval, em Sintra, numa récita marcada para as 17:00.

Embora ainda não haja datas definidas, também deverá ser apresentada em Tomar, no Convento de Cristo, no âmbito do Festival de Ópera de Óbidos, assim como na Batalha, em Setúbal, em Almada e em Santarém. No dia 23 de julho, deverá ir ao Festival Klexos, em Plasencia, Espanha.

César Viana foi diretor artístico dos ensembles Sinfoniab e Cobras e Son, do Festival de Música Antiga de Sesimbra, assim como do Centro para o Estudo das Artes de Belgais, em Castelo Branco.

Desempenhou funções diretivas na Fundación Caja Duero, em Salamanca, e na Orquestra Metropolitana de Lisboa. Fez parte do conselho de administração do Organismo de Produção Artística (Opart), entidade gestora do Teatro Nacional de São Carlos, da Orquestra Sinfónica Portuguesa e da Companhia Nacional de Bailado, e foi diretor artístico do Festival ao Largo, em Lisboa, promovido pelo Opart.

Atualmente é professor de Composição no Centro Superior de Enseñanza Musical Katarina Gurska, em Madrid, e diretor musical da orquestra de cordas Concerto Moderno.

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