Moradores do Beato preocupados com concentração de sem-abrigo nesta freguesia de Lisboa

A freguesia do Beato, em Lisboa, concentra hoje um quarto das respostas aos sem-abrigo na cidade, com quatro centros de acolhimento, que apoiam cerca de 600 pessoas. Apesar de solidários, os moradores receiam pela degradação da qualidade de vida.

© Folha Nacional

“Além das quase 600 pessoas que dormem aqui de forma institucionalizada, […] há muitas mais que estão fora dessas instituições”, conta Pedro Antunes, 1.º subscritor de uma petição pela revisão do plano municipal da Câmara de Lisboa para pessoas em situação de sem-abrigo.

Acompanhando a agência Lusa numa visita ao bairro de Xabregas, o responsável pela petição de moradores, trabalhadores e eleitores do Beato, com perto de 1.000 subscritores, mostra os locais ocupados por sem-abrigo fora dos centros de acolhimento.

Nas traseiras de prédios ocupados por escritórios, a escassos metros da movimentada Rua de Xabregas, há tendas montadas e abrigos criados debaixo das coberturas exteriores. Um desses refúgios tem vários pertences, arrumados e organizados num pequeno espaço transformado em quarto.

Sem portas e ao ar livre, vê-se um colchão deitado com mantas estendidas, uma mesa de cabeceira improvisada, roupa pendurada, cobertores dobrados e malas de viagem. Existem também várias molduras, uma das quais com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, colocada em cima de um armário para boca de incêndio.

Em Xabregas, onde num raio de cerca de um quilómetro se concentram quatro centros de acolhimento, é visível a presença de pessoas sem-abrigo. Uns a deambular e a gritar, outros a pedir dinheiro e alguns sentados nos passeios e nos bancos da rua. O consumo de substâncias aditivas é feito de maneira despreocupada, desde bebidas alcoólicas a drogas, e até inalação de gás de cozinha.

Quem vive e trabalha nesta zona queixa-se de assaltos, desacatos e sujidade.

“Tornou-se impossível a coexistência entre pessoas em situação de fragilidade e pessoas que querem usufruir do espaço público”, lamenta Pedro Antunes.

Esta realidade, segundo ele, não existia antes da concentração das respostas de alojamento na freguesia, sobretudo com a abertura de um centro na antiga Manutenção Militar, que descreve como “um espaço transformado em campo de concentração”, ao lado da inovação e empreendedorismo do Hub Criativo do Beato e da Fábrica de Unicórnios.

Com a petição, apela-se à câmara para “desconcentrar urgentemente” as soluções de acolhimento, repartindo-as por outros locais do município.

Exigem ainda policiamento de proximidade e ações de limpeza, assim como o reforço do investimento público em infraestruturas.

“As queixas são várias”, adianta o presidente da Junta de Freguesia do Beato, Silvino Correia (PS), em declarações à agência Lusa, reforçando que o problema é a concentração “excessiva” de sem-abrigo, que tem gerado insegurança.

Por isso, reconhece a necessidade de aumentar o policiamento comunitário e admite pedir a abertura de uma esquadra, estrutura inexistente no Beato, e a instalação de vídeo proteção.

Localizado entre a Baixa e o Parque das Nações, o Beato é uma das 24 freguesias de Lisboa e é das mais pequenas e desfavorecidas da cidade.

Há mais de 20 anos que apoia sem-abrigo e tem o maior centro de acolhimento do país, criado em 1999, que alberga cerca de 270 pessoas, e que deverá ser alvo de reconversão. Tem também, desde 1997, o centro do Exército de Salvação, que dá resposta a 75 sem-abrigo.

Em 2024, o Beato recebeu outros dois centros de acolhimento. Primeiro, em março, na antiga Manutenção Militar, com capacidade para 130 pessoas, na sequência do encerramento do quartel de Santa Bárbara, em Arroios.

Depois, em dezembro, na Rua do Grilo, para acolher 90. Foi ainda criada, em julho, a Unidade Municipal de Prevenção e Autonomia, localizada no Bairro Quinta do Ourives, com capacidade para receber 28 sem-abrigo.

De um bairro “pacato”, com “uma vida normal”, Xabregas passou a viver sob “alarme social”, com “uma concentração muito grande” das respostas aos sem-abrigo, “todas praticamente no mesmo sítio”, reforça o autarca do Beato.

Silvino Correia defende a descentralização dos apoios, incluindo a nível da Área Metropolitana de Lisboa, até para assegurar melhores respostas à “multiplicidade de situações”.

O presidente da Junta reclama ainda investimento público em infraestruturas na freguesia, nomeadamente para a população idosa e para a prática desportiva, mas realça a criação do Hub Criativo do Beato como “um motivo de esperança”.

Visão semelhante tem o presidente da Associação de Moradores e Empreendedores do Beato, António Lobo, que reforça a necessidade de rever a resposta aos sem-abrigo na cidade e acrescenta que é preciso “arranjar ocupação” para estas pessoas, para evitar que, durante o dia, enquanto aguardam o acolhimento nos centros, vagueiem pela rua.

Morador no Beato desde que nasceu, há 56 anos, Luís Peres, que é também eleito pelo CDS-PP na Assembleia de Freguesia, subscreve as preocupações quanto à concentração de sem-abrigo, mas considera “um mal menor” se a alternativa for “virar as costas” a esta população. Ressalva ainda que a maioria, cerca de 80%, não tem comportamentos “menos próprios”.

Para a também moradora na freguesia, Nair Fernandes, de 72 anos, a situação “está mesmo desagradável”, com o espaço público “muito sujo” e com os sem-abrigo, inclusive “raparigas novas”, a beber álcool e a consumir drogas, em que alguns ficam caídos na rua e é preciso chamar o 112.

“Pelo menos que estivesse ali alguém para os conter”, sugere, lamentando a abertura do centro de acolhimento na antiga Manutenção Militar, junto a uma escola primária e a um infantário: “Não deviam ter feito isso”.

A trabalhar há um ano no bairro de Xabregas, numa florista, Helena Vieira conta que já lhe furtaram um telemóvel e já se deparou com pessoas a dormir à porta da loja, referindo que é uma zona “um bocadinho complicada”, com alguns conflitos a envolver sem-abrigo, e a comunidade tem “algum receio”, principalmente os idosos.

A Lusa tentou visitar um dos centros de acolhimento do Beato, mas a câmara disse não ser possível, justificando-se com a preservação da privacidade das pessoas, “muitas das quais se encontram em circunstâncias de grande fragilidade e vulnerabilidade”.

Sob liderança de PSD/CDS-PP, que governa sem maioria absoluta, a Câmara de Lisboa tem destacado o plano municipal para a pessoa em situação de sem-abrigo, com 70 milhões de euros até 2030.

Recentemente, numa reunião da assembleia municipal, em 15 de abril, o presidente da câmara, Carlos Moedas (PSD), reconheceu que “a freguesia do Beato tem sofrido muito com isso” e defendeu que é preciso “diversificar mais pela cidade”.

“Vamos tentar fazê-lo quando tivermos condições políticas para isso”, afirmou.

O autarca frisou que Lisboa tem “um papel absolutamente fundamental” no apoio aos sem-abrigo, sem comparação com outras cidades do país, referindo que existem 13 mil pessoas nesta condição em Portugal, das quais 5.000 na Área Metropolitana de Lisboa, com 3.378 na capital.

Adiantando que as vagas de acolhimento no país são “à volta de 5.000”, Moedas disse que Lisboa tem “mais de 50%” dessa resposta, com 2.800 vagas, entre a câmara e a Santa Casa da Misericórdia.

Também nessa reunião, a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Sofia Athayde (CDS-PP), adiantou que “23% das pessoas acolhidas em Lisboa estão no Beato” e destacou a criação de “soluções de resposta noutros locais e de menor dimensão”.

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