O cardeal-patriarca de Lisboa cumpre na próxima quinta-feira, 06 de julho, 10 anos à frente do Patriarcado, a dias de completar 75 anos, idade canónica para pedir a resignação, sendo esperada a sua substituição nos próximos meses.
Sendo certo que o Papa, caso não haja graves problemas de saúde, pode manter no cargo um bispo um ou dois anos para além da idade da resignação, no caso de Manuel Clemente a substituição a curto prazo é apontada como certa, uma vez que foi o próprio que, na Missa Crismal deste ano, em 06 de abril, se manifestou convicto de que aquela seria a última a que presidiria enquanto patriarca.
A convicção de que assim será é comum a muitos católicos diocesanos de Lisboa, onde não estão ausentes as movimentações no sentido de desenhar o perfil considerado adequado para o futuro titular da diocese.
Neste sentido, no final de maio, um grupo de católicos de Lisboa enviou mesmo uma carta ao Vaticano, defendendo que o próximo patriarca seja “um bispo centrado no essencial” com a “atitude de proximidade e cuidado (…) com todos”, em especial os “mais pobres e vulneráveis”.
Na carta, os subscritores – entre os quais o jornalista Jorge Wemans, e o dinamizador da carta que pediu uma investigação independente sobre os abusos no seio da Igreja, Nuno Caiado – defendiam que o novo bispo “seja a imagem do Bom Pastor” e tenha “a atitude de proximidade e cuidado de Jesus Cristo com todos, em especial com os mais pobres e vulneráveis, doentes, excluídos e marginalizados, não a partir de cima, mas envolvendo-os” e que seja “um bispo livre e humilde”, com “movimentos de simples pastor e não de príncipe”.
Quanto a nomes, vários têm sido apontados publicamente, desde Américo Aguiar (auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023) a Francisco Senra Coelho (Évora), passando por Virgílio Antunes (Coimbra) ou Nuno Brás (Funchal), mas é sabido que muitas vezes é a surpresa que marca a decisão do Vaticano.
É conhecida, no entanto, a opinião de Manuel Clemente, que, no verão de 2022, em entrevista à Rádio Renascença, defendeu que Lisboa iria precisar de “um bispo a condizer com a juventude”.
E é a juventude que vai marcar o grande momento desta década de Clemente à frente do Patriarcado, com a realização, de 01 a 06 de agosto, da Jornada Mundial que poderá reunir mais de um milhão de jovens de todo o mundo para um encontro presidido pelo Papa.
Estes dias de festa em agosto, no entanto, não apagarão as marcas do último ano e meio, quando os casos de abuso no Patriarcado saltaram para o domínio público e afetaram a imagem de Manuel Clemente que, segundo o jornal 7Margens, num encontro no Vaticano com o Papa Francisco, em 05 de agosto de 2022, terá deixado nas mãos do pontífice a possibilidade de ser substituído no cargo ainda naquele verão.
Em causa estava, desde logo, um caso ocorrido em 1999 e recuperado no final de julho pelo jornal Observador, dando conta de que o atual patriarca “teve conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania”.
“Além disso, o sacerdote continuou a gerir uma associação privada onde acolhe famílias, jovens e crianças, com o conhecimento de D. Manuel Clemente. Tudo, porque (…) a vítima, que alega ter sofrido os abusos na década de 1990, não quis que o seu caso fosse público e queria apenas que os abusos não se repetissem”, noticiou o jornal.
Clemente, assegurou, então, numa carta aberta, que “desde a primeira hora” deu instruções, no Patriarcado, “para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos” quanto ao abuso de menores e procurou esclarecer o que “testemunhou” no caso do padre acusado de abuso denunciado em 1999 ao anterior patriarca, José Policarpo, e disse aceitar que “este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje” todos querem “ver implementados”.
A par deste, outros casos de suspeitas de abusos no Patriarcado foram noticiados, tendo, já em março deste ano, sido suspensos do ministério quatro sacerdotes, um dos quais foi, entretanto, autorizado a voltar às suas funções.
Por mais de uma vez o patriarca pediu perdão às vítimas de abuso, como em 06 de abril, em que fez questão de vincar que esse pedido era “institucional e convicto” enquanto titular do Patriarcado.
A verdade é que a questão dos abusos marcou de forma impressiva os últimos meses do cardeal Manuel Clemente no Patriarcado, ecoando ainda as declarações feitas em março, quando considerou “insultuoso para as vítimas” falar-se em indemnizações.
E é com estes últimos meses de ambiente carregado, que, após 16 de julho e da carta de pedido de renúncia que dirigirá ao Papa, o cardeal natural de Torres Vedras, doutorado em Teologia Histórica, Prémio Pessoa, atribuído em 2009 pela “sua intervenção cívica” que se tinha “destacado por uma postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, de combate à exclusão e da intervenção social da Igreja”, entrará num período de espera, até que o Vaticano o liberte de funções.