“Tendo vivido em Paris desde 1957, Manuel Cargaleiro nunca deixou que o cosmopolitismo significasse desenraizamento. Prova disso é a memória das imagens e das cores da Beira Baixa na sua obra, nomeadamente a lembrança das mantas de retalhos; prova disso igualmente a empenhada presença do artista na região onde nasceu, através da Fundação e do Museu Cargaleiro”, lê-se na mensagem de pesar de Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe de Estado lembra que “Mestre Cargaleiro deixou a sua assinatura em igrejas, jardins ou estações de metro, e em inúmeras peças tão geométricas e cromáticas como as de outros artistas cosmopolitas que viveram em Portugal”, acrescentando: “Por isso, tendo estado fora décadas, continuou a sentir-se, e continuámos a senti-lo, um artista português”.
De Cargaleiro disse Maria Helena Vieira da Silva “que possuía a técnica perfeita, a medida certa, as cores raras”, e disse Álvaro Siza Vieira que “evidenciava uma alegria invulgar no panorama artístico português”, salienta ainda a nota presidencial
Tendo-o condecorado, em 2017, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e, em 2023, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões, o Presidente da República considera que teve “a oportunidade de homenagear essas singularidades em breve mensagem para o catálogo da última exposição que fez”.
Nesse texto, Marcelo Rebelo de Sousa saudou, e renova agora a saudação, “a sua obra jubilosa e luminosa, fiel ao passado e ao presente, a um tempo que é o nosso e que também foi o seu”.
O Presidente da República sublinha que “nunca esquecerá o último encontro com Mestre Cargaleiro, semanas atrás, na casa deste em Lisboa, em que continuava a sonhar projetos para o futuro e a acreditar na vida, sempre prestigiando Portugal”.
Segundo disse à agência Lusa a sua mulher, Isabel Brito da Mana, Manuel Cargaleiro “morreu tranquilo, rodeado pelos seus, adormeceu”.
O artista plástico nasceu em 16 de março de 1927 em Chão das Servas, no concelho de Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco.
A sua obra foi fortemente inspirada no azulejo tradicional português. Em 1949, ingressou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e participou na Primeira Exposição Anual de Cerâmica, no Palácio Foz, em Lisboa, onde realizou a sua primeira exposição individual de cerâmica, no ano de 1952.
No início de carreira, ainda na década de 1950, recebeu o Prémio Nacional de Cerâmica Sebastião de Almeida, e o diploma de honra da Academia Internacional de Cerâmica, no Festival Internacional de Cerâmica de Cannes, em França, numa altura em que iniciara funções de professor de Cerâmica na Escola de Artes Decorativas António Arroio e apresentara as suas primeiras pinturas a óleo no Primeiro Salão de Arte Abstrata.
Nas décadas de 1960 e 1970, participou em exposições individuais e coletivas e durante este período afirmou-se não apenas como conceituado ceramista, mas também como desenhador e pintor. Nos anos 1980 começou a explorar a tapeçaria.
A partir da década de 90, predominariam na sua obra os padrões aglomerados e cromaticamente intensos onde continuaria a ser evocado o azulejo português.
Em Castelo Branco, viria a ser inaugurada a Fundação Manuel Cargaleiro, em 1990, depois expandida com o respetivo museu e mais tarde, no Seixal (Setúbal), a Oficina de Artes Manuel Cargaleiro.
O ceramista recebeu, em Paris, em 2019, a medalha de Mérito Cultural do Governo português e a Medalha Grand Vermeil, a mais alta condecoração da capital francesa, onde viveu grande parte da sua vida.
Na altura, foi também inaugurada a ampliação da estação de metro de Champs Elysées-Clémenceau, com novas obras de Manuel Cargaleiro, depois de originalmente concebida e totalmente decorada pelo artista português, em 1995, incluindo o painel em azulejo “Paris-Lisbonne”.