A saúde, um dos pilares essenciais da nossa sociedade, enfrenta desafios há muito identificados, mas raramente resolvidos de forma eficaz. A reorganização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com a criação de 31 novas Unidades Locais de Saúde (ULS) em 2023, prometeu uma maior integração entre os Cuidados de Saúde Primários e os Cuidados Diferenciados, aproximando os serviços de saúde das populações. Contudo, o que parece uma solução bem-intencionada na teoria, na prática, não foi mais do que uma promessa que não se concretizou como o esperado.
As Unidades Locais de Saúde (ULS) foram originalmente introduzidas em 1999, como uma solução inovadora para otimizar o funcionamento do SNS. No entanto, após a criação de algumas até 2009, o processo estagnou. Esta interrupção prolongada levanta dúvidas sobre a prioridade efetiva que os governos atribuíram a este modelo – independentemente de serem liderados pelo PS ou pelo PSD – sobretudo num contexto de pressão crescente sobre o serviço público.
Se, em teoria, a integração de cuidados deveria trazer ganhos de eficiência, maior acessibilidade e um foco real no doente, a implementação prática das ULS tem sido marcada por burocracia, centralização excessiva e falta de visão estratégica. Muitos dos princípios clássicos da gestão financeira e estratégica parecem ignorados. Por exemplo, um dos pilares do planeamento financeiro – a afetação eficiente de recursos – é sistematicamente comprometido pela má articulação entre os diferentes níveis de cuidados. Em vez de potenciar sinergias entre centros de saúde e hospitais, assiste-se à manutenção de estruturas isoladas, com redundâncias, desperdícios e falhas operacionais gritantes.
A sobrecarga dos hospitais com situações clínicas que deveriam ser resolvidas nos Cuidados de Saúde Primários é sintoma de um desequilíbrio funcional. Esta realidade, além de representar um custo financeiro acrescido para o Estado, traduz-se numa ineficiência de gestão digna de crítica. A análise custo-benefício, essencial em qualquer organização pública ou privada, parece ausente. Com recursos limitados, não basta investir mais: é fundamental investir melhor, com métricas claras, responsabilidade e foco nos resultados em saúde.
Do ponto de vista da análise financeira, podemos também questionar o retorno deste investimento público. As ULS, pela sua própria natureza, deveriam garantir uma racionalização dos custos operacionais. No entanto, não se observam melhorias significativas nos indicadores de eficiência, nem uma gestão orientada por objetivos mensuráveis. A falta de autonomia financeira e a ausência de incentivos adequados à boa gestão impedem que estas entidades se desenvolvam com base em modelos sustentáveis.
Aliás, como é bem referido na teoria de análise financeira, a descentralização e a autonomia podem criar maior responsabilidade e melhor desempenho, quando acompanhadas por mecanismos de controlo e avaliação. A excessiva dependência da Administração Central trava qualquer tentativa de inovação real. Um modelo de governação mais flexível, com incentivos de desempenho, metas claras e accountability, poderia trazer os benefícios prometidos à população. A gestão por objetivos e o rigor na afetação de verbas públicas, princípios já longamente estudados e aplicados na área financeira, deveriam ser adotados no setor da saúde como instrumentos de reforma estrutural.
A participação responsável do setor privado, com a devida regulação estatal, não deve ser demonizada. Em muitas geografias e especialidades, a complementaridade entre público e privado tem permitido uma maior cobertura e menor tempo de resposta. Ignorar essa realidade por preconceito ideológico compromete o próprio direito à saúde, consagrado na Constituição.
Mais do que nunca, é necessária uma visão estratégica capaz de reconhecer que o SNS não pode continuar a ser um sistema reativo e desorganizado. A saúde de proximidade deve ser mais do que uma bandeira política – deve ser uma realidade sentida pelo cidadão comum. Para tal, urge adotar princípios de gestão estratégica, análise financeira racional e descentralização organizacional. É preciso coragem política para desafiar o status quo e implementar medidas eficazes.
Se o objetivo é alcançar um SNS mais funcional, acessível e centrado nos cidadãos, é imperioso apostar em reformas que tragam eficiência, transparência e resultados. As ULS, bem geridas e dotadas de meios adequados, podem ser uma resposta válida. Mas sem um plano executivo rigoroso e realista, corremos o risco de continuar a alimentar uma estrutura pesada, ineficiente e cada vez mais distante dos utentes.