O PS e as medidas de excepção

Agora é que eu percebi. Os ministros e os responsáveis parlamentares do PS compreenderam finalmente a essência do poder político. Leitores certamente de Carl Scmitt, em alemão, claro está, fazem do estado de excepção na democracia parlamentar e das decisões que o secundam o cerne do poder político. Só que, coitados, tresleram aquele magnífico autor. Vai daí simplesmente decidem; de preferência contra a lei. Simplesmente decidem. Decidem o quê? Arredar as regras da democracia política quando lhes dá jeito por entenderem que é a sobrevivência do Estado (leia-se do partido) que está em causa. Vai daí recusam entregar documentos importantes a uma comissão parlamentar de inquérito à actuação do Governo, onde mentem descaradamente, falseiam os resultados por ela obtidos reunindo antecipadamente com os chamados ao caso a depor, eliminam a oposição mais aguerrida das viagens oficiais em representação do Estado português, gritam escandalosamente na Assembleia da República contra a oposição, ameaçam-na com sanções, intimidam jornalistas no cumprimento dos seus deveres profissionais, chamam esse organismo independente que é o SIS por dá cá aquela palha como arma de arremesso contra o esclarecimento da verdade, mantém teimosamente ministros incapazes no poder contra a opinião expressa do Presidente da República, põem em tribunal respeitáveis autoridades independentes por publicarem em livro a verdade e tentam reduzir a autonomia das ordens profissionais, coisa que nem Salazar se atreveu a fazer.  Sabe-se lá o que estará ainda para vir; qualquer dia convocam o SIS para dar informações sobre a vida pessoal e sexual dos membros da oposição. A partir aqui tudo é possível. O PS decide o que quer e está convencido que é a partir da sua decisão, seja ela qual for, que se faz direito. O Estado fica reduzido ao momento em que o PS decide; uma decisão pura, inconsequente, sem enquadramento legal, tomada a partir do nada. Nunca, em democracia política, vi semelhante desaforo no nosso país.   

    Não há dúvida que o PS considera que a sua sobrevivência política justifica todos os atropelos à legalidade democrática. Sabe que está a morrer mas lambe as feridas. Como? Alega a esmo o «interesse público» sem qualquer enquadramento constitucional ou legal para o fazer. E faz-se campeão da «estabilidade institucional» para migalhar mais uns meses no poder. Tudo quer branquear em nome de um pretenso estado de excepção que só ele saberá o que é e até onde vai porque a Constituição não sabe. 

    Esta a vir ao de cima o tradicional jacobinismo do PS, herdado do partido democrático da I República, assunto para que já chamei aqui a atenção várias vezes, refrescado por uns maoístas que nunca deixaram de o ser e que lhe engrossam agora as fileiras. Não esqueçamos isto; o PS definiu a linha vermelha e o povo português existe para votar no PS redentor e para estar agradecido pelas migalhas dadas e a oposição serve apenas para resmungar uns à apartes comedidos, pouco ruidosos, no seu papel de «oposição de Sua Majestade» ao PS, como no tempo da Rainha Vitória, e não no de «oposição a Sua Majestade». E tudo quanto o PS fizer é em nome do interesse público e pedir medidas de excepção; é matéria de dogma.   

    Quando a oposição levanta a voz lá está o interesse público em causa a pedir medidas de excepção, leia-se o desrespeito total pela legalidade. 

    O PS não entende esta coisa muito simples; o que dele se espera é uma atitude moral na política, sem contradições, tibiezas e hipocrisias baratas. Vale a pena perder alguns votos por causa disso pois serão mais tarde recuperados e com juros. A transparência e a moralidade no exercício do poder não são preconceitos de direita. O PS não deve servir apenas para impedir que o PSD chegue ao poder. O PS não é a família dos guelfos que apenas existe para afastar os gibelinos da governança, como na Toscania medieval, e o país não é uma herança dominial. 

    Fica apenas uma ressalva porque não quero estar a faltar ao respeito a C. Scmitt; aquilo a que ele chamava decisão de excepção e que caracterizava a fisiologia do poder político não era ilegal nem muito menos inconstitucional. Era apenas o conteúdo de uma legalidade excepcional. Filiava-se no conceito de prerrogative de Locke ou seja, the ability to do public good without a rule. Mas explicar isto aos «intelectuais» do PS saídos do ISCTE é perder tempo.  

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