Meloni tenta marcar pontos na política migratória após ano difícil

Após um ano de grande pressão migratória que pôs em causa as suas promessas, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, alcançou um entendimento com a Albânia para “deslocalizar” para este país parte dos procedimentos de acolhimento de requerentes de asilo.

©facebook.com/giorgiameloni

O controverso acordo, assinado e anunciado de surpresa em Roma a 06 de novembro por Meloni e pelo primeiro-ministro albanês Edi Rama, suscitou aguardadas críticas da oposição, de esquerda, mas, acima de tudo, voltou a expor tensões na coligação governamental, que além dos Irmãos de Itália, da chefe de governo, integra a Liga, de Matteo Salvini – ambos partidos de direita – e a Força Itália (direita), sob o comando de Antonio Tajani após a morte, no verão passado, de Silvio Berlusconi.

Apesar de o governo ter vindo a público desmentir notícias segundo as quais Meloni não informou previamente os seus parceiros de coligação do acordo negociado com Tirana, garantindo que Salvini e Tajani estavam a par das diligências, vários dirigentes da Liga elogiaram publicamente o acordo, mas fazendo questão de salientar que o seu líder, enquanto ministro do Interior (2018 a 2019), foi melhor a travar as chegadas.

“O facto é este: a via diplomática é boa, o acordo de Meloni com a Albânia é excelente. Mas a Itália tem de ser a Itália. E Salvini, quando era ministro do Interior, travou a imigração ilegal. Assumiu a responsabilidade, foi a tribunal. Talvez isso tenha levado outros a serem mais cautelosos nestas questões”, comentou o secretário-adjunto da Liga, Andrea Crippa.

Esta nova demonstração de rivalidade, sobretudo entre os partidos de Meloni e Salvini, que disputam um eleitorado muito semelhante, surge num contexto já pré-eleitoral, com as eleições europeias no horizonte (junho de 2024), e com cada uma das duas forças políticas a procurarem mostrar que são os verdadeiros guardiões da luta contra a imigração.

Apesar de o combate à imigração ilegal ter sido uma das grandes ‘bandeiras’ da campanha eleitoral de Meloni, que prometeu travar as chegadas de embarcações desde o norte de África, falando mesmo de um “bloqueio naval” no Mediterrâneo, Itália registou ironicamente no que já vai do ano em curso o maior número de chegadas dos últimos anos, cerca de 145 mil migrantes, contra 88 mil em todo o ano precedente.

Face ao fluxo ininterrupto de chegadas, sobretudo à ilha de Lampedusa, perto da costa africana, de onde os migrantes foram sendo redistribuídos por centros de todo o país, o sistema de acolhimento em Itália ficou à beira da rutura, com autarcas de todo o país e organizações civis a deplorarem uma e outra vez a falta de meios e a criticarem a gestão da política migratória. Autarcas da Liga não perderam a oportunidade de também criticar a chefe de governo.

A primeira-ministra italiana, que adotou este ano como principal medida no combate à imigração irregular a regulação das atividades dos navios de busca e salvamento, tais como a impossibilidade de procederem a mais de um resgate em cada saída para o mar e terem de proceder aos desembarques nos portos designados pelas autoridades, trabalha agora sobretudo na vertente externa.

Meloni apresenta como “um modelo histórico” de cooperação o acordo com a Tunísia, onde foi há cerca de quatro meses, com a presidente da Comissão Europeia, assinar o documento que tem como principal objetivo reduzir substancialmente as saídas ilegais rumo a Itália a partir do país magrebino, que foi este ano o principal ponto de saída dos migrantes que tentaram chegar a Lampedusa.

Numa altura em que a UE continua a tentar ‘fechar’ o novo Pacto para a Migração e Asilo, Meloni apresenta o acordo com a Albânia como uma solução que convida outros Estados-membros a seguirem.

“Pode tornar-se um modelo para outras nações em termos de colaboração entre países da União Europeia e países terceiros na gestão dos fluxos migratórios”, defendeu.

Independentemente das dúvidas legais que subsistem em torno do acordo e da sua conformidade com o direito comunitário, Meloni obteve já no campo europeu um apoio provavelmente inesperado e de grande importância – que o seu partido já fez, de resto, questão de explorar -, o do chanceler alemão, e socialista, Olaf Scholz.

Em plena reunião dos Socialistas Europeus, em Málaga, Espanha, Scholz não só não criticou o acordo entre Itália e Albânia, como fizeram vários membros da sua família política, como sugeriu que o mesmo pode ser replicado, inclusivamente pela Alemanha, que também sofreu este ano um forte fluxo migratório que fragilizou e muito o governo junto da opinião pública.

“É necessário reduzir a imigração irregular. Para tal, será necessária uma cooperação estreita com países terceiros. Como é atualmente o caso da Turquia. Mas pode haver mais”, comentou o chanceler alemão, sublinhando que “é preciso atuar de forma muito pragmática e, no final, muito eficaz”, e admitindo mais acordos com países terceiros para reduzir o número de imigrantes irregulares a chegarem à Europa.

Em última análise, o mérito do acordo negociado por Meloni com Tirana – com ou sem o conhecimento dos seus parceiros de coligação – será avaliado pelos resultados, se a justiça não impedir a sua entrada em vigor. E Marco Minniti, antigo ministro do Interior do Partido Democrático (centro-esquerda, oposição) e conhecido por ter tido uma política dura contra a imigração entre 2016 e 2018, augura pouco sucesso ao plano.

Notando que “o único precedente é o acordo do Reino Unido com o Ruanda em 2022, sendo que até à data nenhum migrante foi transferido” para o país africano, Minniti considera que este acordo com a Albânia é uma mera “medida paliativa que se inscreve na lógica de uma emergência”, mas que produzirá poucos resultados.

“Parece-me que paira sobre este negócio a gigantesca incógnita da consideração da extraterritorialidade: [os migrantes] ou são rapidamente repatriados ou regressam a Itália. E volta, portanto, a colocar-se a questão dos repatriamentos com os países de partida e, por conseguinte, a questão de África”, diz.

Notando que, entre os mais de 145 mil migrantes que chegaram este ano a Itália, o número de repatriados não deverá superar os 4 mil, o antigo ministro do Interior questiona, “com base nestes números, que sentido faz este acordo?”.

Já a líder do PD e da oposição em Itália, Elly Schlein, considera inconstitucional o acordo e acusa Meloni de não o levar a votos no parlamento italiano por saber “que viola o artigo 10º da Constituição, segundo o qual o asilo é pedido no território da República”.

Afirma ainda que a chefe de governo “está a fazer tudo o que pode para evitar mudar as regras europeias e pedir a [Viktor] Orbán que faça a sua parte”, aludindo ao facto de o primeiro-ministro húngaro, muito próximo de Meloni, se opor à solidariedade europeia no acolhimento de migrantes, um dos grandes pilares do novo pacto migratório negociado no seio da UE.

Últimas de Política Internacional

Trump disse que vários países europeus já mostraram disponibilidade para enviar militares para a Ucrânia, como tal "não será um problema" responder às garantias de segurança exigidas pelo homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu hoje uma frente unida entre europeus e ucranianos em defesa de uma paz que não represente a capitulação da Ucrânia, na véspera da reunião com Donald Trump, na Casa Branca.
O enviado especial dos Estados Unidos, Steve Witkoff, disse hoje que Putin concordou, na cimeira com Donald Trump, que sejam dadas à Ucrânia garantias de segurança semelhantes ao mandato de defesa coletiva da NATO.
O Presidente russo, Vladimir Putin, disse hoje que discutiu formas de terminar a guerra na Ucrânia "de forma justa", na cimeira com o homólogo norte-americano, Donald Trump, na sexta-feira, defendendo a “eliminação das causas iniciais”.
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse hoje que “todos” preferem ir “diretamente para um acordo de paz” e não “um mero acordo de cessar-fogo” para acabar com a “terrível guerra” na Ucrânia.
O futuro da Ucrânia passa hoje pelo Alasca, uma antiga colónia russa onde os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia se vão reunir sem a participação do país invadido por Moscovo.
O Presidente norte-americano, Donald Trump, afirmou hoje que qualquer acordo para pôr fim à guerra na Ucrânia terá de passar por uma cimeira com os homólogos russo e ucraniano, após a cimeira bilateral na sexta-feira.
A Rússia e a Ucrânia trocaram hoje 84 prisioneiros de guerra, anunciou o Ministério da Defesa russo, na véspera de uma cimeira muito aguardada entre o Presidente russo, Vladimir Putin, e o homólogo norte-americano, Donald Trump.
O chanceler alemão, Friedrich Merz, anunciou que a reunião virtual que líderes europeus e o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, hoje mantiveram com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a guerra na Ucrânia foi “construtiva”.
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, vai deslocar-se hoje a Berlim para participar numa videoconferência com o Presidente norte-americano antes do encontro deste com Vladimir Putin sobre a guerra na Ucrânia.