O controverso acordo, assinado e anunciado de surpresa em Roma a 06 de novembro por Meloni e pelo primeiro-ministro albanês Edi Rama, suscitou aguardadas críticas da oposição, de esquerda, mas, acima de tudo, voltou a expor tensões na coligação governamental, que além dos Irmãos de Itália, da chefe de governo, integra a Liga, de Matteo Salvini – ambos partidos de direita – e a Força Itália (direita), sob o comando de Antonio Tajani após a morte, no verão passado, de Silvio Berlusconi.
Apesar de o governo ter vindo a público desmentir notícias segundo as quais Meloni não informou previamente os seus parceiros de coligação do acordo negociado com Tirana, garantindo que Salvini e Tajani estavam a par das diligências, vários dirigentes da Liga elogiaram publicamente o acordo, mas fazendo questão de salientar que o seu líder, enquanto ministro do Interior (2018 a 2019), foi melhor a travar as chegadas.
“O facto é este: a via diplomática é boa, o acordo de Meloni com a Albânia é excelente. Mas a Itália tem de ser a Itália. E Salvini, quando era ministro do Interior, travou a imigração ilegal. Assumiu a responsabilidade, foi a tribunal. Talvez isso tenha levado outros a serem mais cautelosos nestas questões”, comentou o secretário-adjunto da Liga, Andrea Crippa.
Esta nova demonstração de rivalidade, sobretudo entre os partidos de Meloni e Salvini, que disputam um eleitorado muito semelhante, surge num contexto já pré-eleitoral, com as eleições europeias no horizonte (junho de 2024), e com cada uma das duas forças políticas a procurarem mostrar que são os verdadeiros guardiões da luta contra a imigração.
Apesar de o combate à imigração ilegal ter sido uma das grandes ‘bandeiras’ da campanha eleitoral de Meloni, que prometeu travar as chegadas de embarcações desde o norte de África, falando mesmo de um “bloqueio naval” no Mediterrâneo, Itália registou ironicamente no que já vai do ano em curso o maior número de chegadas dos últimos anos, cerca de 145 mil migrantes, contra 88 mil em todo o ano precedente.
Face ao fluxo ininterrupto de chegadas, sobretudo à ilha de Lampedusa, perto da costa africana, de onde os migrantes foram sendo redistribuídos por centros de todo o país, o sistema de acolhimento em Itália ficou à beira da rutura, com autarcas de todo o país e organizações civis a deplorarem uma e outra vez a falta de meios e a criticarem a gestão da política migratória. Autarcas da Liga não perderam a oportunidade de também criticar a chefe de governo.
A primeira-ministra italiana, que adotou este ano como principal medida no combate à imigração irregular a regulação das atividades dos navios de busca e salvamento, tais como a impossibilidade de procederem a mais de um resgate em cada saída para o mar e terem de proceder aos desembarques nos portos designados pelas autoridades, trabalha agora sobretudo na vertente externa.
Meloni apresenta como “um modelo histórico” de cooperação o acordo com a Tunísia, onde foi há cerca de quatro meses, com a presidente da Comissão Europeia, assinar o documento que tem como principal objetivo reduzir substancialmente as saídas ilegais rumo a Itália a partir do país magrebino, que foi este ano o principal ponto de saída dos migrantes que tentaram chegar a Lampedusa.
Numa altura em que a UE continua a tentar ‘fechar’ o novo Pacto para a Migração e Asilo, Meloni apresenta o acordo com a Albânia como uma solução que convida outros Estados-membros a seguirem.
“Pode tornar-se um modelo para outras nações em termos de colaboração entre países da União Europeia e países terceiros na gestão dos fluxos migratórios”, defendeu.
Independentemente das dúvidas legais que subsistem em torno do acordo e da sua conformidade com o direito comunitário, Meloni obteve já no campo europeu um apoio provavelmente inesperado e de grande importância – que o seu partido já fez, de resto, questão de explorar -, o do chanceler alemão, e socialista, Olaf Scholz.
Em plena reunião dos Socialistas Europeus, em Málaga, Espanha, Scholz não só não criticou o acordo entre Itália e Albânia, como fizeram vários membros da sua família política, como sugeriu que o mesmo pode ser replicado, inclusivamente pela Alemanha, que também sofreu este ano um forte fluxo migratório que fragilizou e muito o governo junto da opinião pública.
“É necessário reduzir a imigração irregular. Para tal, será necessária uma cooperação estreita com países terceiros. Como é atualmente o caso da Turquia. Mas pode haver mais”, comentou o chanceler alemão, sublinhando que “é preciso atuar de forma muito pragmática e, no final, muito eficaz”, e admitindo mais acordos com países terceiros para reduzir o número de imigrantes irregulares a chegarem à Europa.
Em última análise, o mérito do acordo negociado por Meloni com Tirana – com ou sem o conhecimento dos seus parceiros de coligação – será avaliado pelos resultados, se a justiça não impedir a sua entrada em vigor. E Marco Minniti, antigo ministro do Interior do Partido Democrático (centro-esquerda, oposição) e conhecido por ter tido uma política dura contra a imigração entre 2016 e 2018, augura pouco sucesso ao plano.
Notando que “o único precedente é o acordo do Reino Unido com o Ruanda em 2022, sendo que até à data nenhum migrante foi transferido” para o país africano, Minniti considera que este acordo com a Albânia é uma mera “medida paliativa que se inscreve na lógica de uma emergência”, mas que produzirá poucos resultados.
“Parece-me que paira sobre este negócio a gigantesca incógnita da consideração da extraterritorialidade: [os migrantes] ou são rapidamente repatriados ou regressam a Itália. E volta, portanto, a colocar-se a questão dos repatriamentos com os países de partida e, por conseguinte, a questão de África”, diz.
Notando que, entre os mais de 145 mil migrantes que chegaram este ano a Itália, o número de repatriados não deverá superar os 4 mil, o antigo ministro do Interior questiona, “com base nestes números, que sentido faz este acordo?”.
Já a líder do PD e da oposição em Itália, Elly Schlein, considera inconstitucional o acordo e acusa Meloni de não o levar a votos no parlamento italiano por saber “que viola o artigo 10º da Constituição, segundo o qual o asilo é pedido no território da República”.
Afirma ainda que a chefe de governo “está a fazer tudo o que pode para evitar mudar as regras europeias e pedir a [Viktor] Orbán que faça a sua parte”, aludindo ao facto de o primeiro-ministro húngaro, muito próximo de Meloni, se opor à solidariedade europeia no acolhimento de migrantes, um dos grandes pilares do novo pacto migratório negociado no seio da UE.