As incapacidades da esquerda portuguesa

A esquerda portuguesa está desnorteada. Para o crescendo conservador na Europa em geral e também no nosso país só tem uma explicação; o fascismo, evidentemente, o papão fascista, adornado agora com a xenofobia e o racismo. Daquelas cabeças não sai mais nada. E mais nada pode sair porque o universo mental do politicamente correcto que lhes preside é muito escasso. Continua a ser assim; de um lado estão eles, animados das mais salvíficas ideias de progresso e humanismo e do outro lado está uma horda de selvagens com as piores intenções. É o velho argumento ad hitlerum adoptado no VI congresso mundial da III internacional comunista (comintern) a partir de 1928. Nessa altura politicamente correcto era chamar fascistas (aliás, social-fascistas) a tudo quanto não era comunista. Foi há quase 100 anos mas uma boa parte da esquerda portuguesa ainda não saiu daqui. Seria preciso reconhecer que a sua visão maniqueísta dos conflitos políticos não corresponde à realidade de uma sociedade pluralista, internacionalizada, fragmentada e pós-tradicional. 

    É que a esquerda não sabe sequer o que isto é e, portanto, continua e continuará presa de esquemas mentais obsoletos porque é apenas dentro deles que consegue sobreviver. Não consegue discernir que o recrudescimento das tendências conservadoras que se verifica em toda a parte tem causa muito profundas e que têm a ver com a as dificuldades do modelo do estado social e da democracia parlamentar, com o gigantismo das despesas públicas, com o consequente aumento brutal dos impostos e com o défice da representatividade democrática. Nada disto tem a ver com qualquer ininteligível e inaudível fascismo. Mas isto é muito complicado para aquelas cabeças. É muito mais simples dizer que por detrás daquelas dificuldades está o habitual fascismo, o racismo e a xenofobia. A esquerda refugia-se assim no politicamente correcto para esvaziar o pensamento de substância e para instaurar um novo totalitarismo cultural que quer empobrecer o significado da linguagem e eliminar assim alternativas ao seu escasso entendimento. 

    Não se lhes ouve uma palavra sobre as questões mais difíceis dos nossos dias. Como rentabilizar os serviços públicos? Como impedir que eles se transformem em sorvedouros do dinheiro dos impostos? Como combater a endémica corrupção portuguesa que os socialistas levam ao extremo? Como dinamizar o investimento privado produtivo? Como utilizar com racionalidade os fundos europeus? Como aperfeiçoar a justiça? Como pôr os serviços hospitalares a funcionar bem? Levantar estas questões é sinónimo de fascismo, de racismo e de xenofobia e sei lá que mais.

    Na verdade, agilizar os serviços públicos, concessionando-os a privados, contratualizar soluções ou seja, mais contratos e menos funcionários, privatizar o que houver para privatizar, eliminar institutos públicos que apenas existem para dar emprego a socialistas, despartidarizar o estado, entregar os fundos europeus ao sector privado precedendo concursos, reduzir a carga fiscal, calcular melhor as despesas públicas, acabar com o protagonismo legislativo do governo e reduzir o seu papel constitucional,  reforçar a sociedade civil, etc…, são tudo obviamente soluções que só podem ser defendidas por cavilosos fascistas, xenófobos e racistas.    

    Em vez de questionar e aprender com a realidade, a esquerda nacional, quase toda ela, refugia-se nas certezas de uma mundividência segura mas barata e obsoleta. Prefere a segurança das suas apoucadas convicções às incertezas da crítica e do inconformismo. É verdadeiramente hoje uma foça reaccionária, na plena acepção do termo, pois que quer fazer encaixar a complexa realidade actual num modelo acabado e completamente ultrapassado de representação das coisas e que, verdadeiramente nunca serviu muito bem, nem mesmo no tempo em que se pretendia hegemónico. O papel da maioria da esquerda português é hoje o da desinformação e da defesa do obscurantismo cultural. O curioso na realidade portuguesa é que estas aberrações reaccionárias e tacanhas fazem fé até junto de alguma direita.     

    A esquerda está, portanto, apostada em estupidificar os portugueses. É, aliás, disto que ela verdadeiramente hoje vive. Tem de impedir o raciocínio crítico, tem de fechar a cabeça dos cidadãos à compreensão das complexidades da sociedade actual. Quer, consequentemente, impor um terrorismo intelectual saloio e estúpido completamente avesso ao uso público da razão e inimigo do contraditório democrático. Em vez de pensar, foge para a frente. Em vez de confrontar soluções, insulta o adversário até à quinta geração. Foi sempre assim. Não se trata tanto de uma técnica de desinformação e propaganda. É mesmo preconceito e ignorância.   

    Felizmente os portugueses já se não deixam facilmente apanhar com o papão do fascismo. Se a esquerda quiser reatar algum protagonismo ideológico teria de se reformular. Mas tenham a certeza de uma coisa; nunca o fará. E é nisto que a direita deve apostar. Com uma esquerda tão bacoca, a hegemonia cultural e ideológica da direita democrática, liberal e europeizada está na ordem do dia.   

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