12 Maio, 2024

A situação de António Costa

Reina a maior confusão, como é costume, na interpretação das consequências do pedido de demissão de A. Costa e na sua aceitação pelo Presidente. Os comentadores políticos não sabem, obviamente, do que falam mas o que espanta são as enormidades ditas por pessoas que tinham obrigação de pensar duas vezes antes de falar. 

   O que se passou? O conspícuo A. Costa apresentou ao Presidente um pedido de demissão. O Presidente aceitou-o. Mas segue-se daí que o Governo está demitido? Vejamos. Nos termos da Constituição, a aceitação daquele pedido pelo Presidente tem como consequência imediata a demissão do Governo. É o que nos diz a alínea b) do nº1 do art. 185º. Um pedido de demissão para ter esta consequência constitucional tem de ser aceite pelo Presidente mas a sua aceitação tem ainda de ser devidamente publicada. Sem a publicação do decreto presidencial de demissão, em Dezembro ao que já se sabe, a demissão não tem efeitos. Tem efeitos políticos, naturalmente, porque deslegitima o governo, mas não tem (ainda) efeitos jurídicos. Foi assim que o Presidente deu mostras de alguma criatividade constitucional; sem violar a Constituição interpretou-a habilmente. O que fez? Adiou a publicação da aceitação do pedido de demissão ou seja, do decreto de demissão. 

   É que se a publicação daquela aceitação fica adiada para mais tarde, o pedido fica em stand by. Qual a consequência? Costa fica demissionário, não demitido, e o Governo continua na plenitude das suas funções, pelo menos formalmente, o que lhe permite apresentar ao parlamento o orçamento e eventualmente outras normas a tempo de as ver aprovadas pela maioria absoluta de que o PS dispõe. O Presidente não fez um favor ao primeiro-ministro; exigiu-lhe um compasso de espera. Em vez de publicar logo o decreto presidencial (da aceitação) da demissão de A. Costa aguarda até Dezembro. A Constituição não impede que assim seja. Esperemos que o Presidente se não arrependa. 

   Uma vez publicado o decreto de demissão, e só então, o Governo é havido por formalmente demitido e entra, consequentemente, em modo de gestão corrente, conforme nos diz o n. 5 do art. 186º da Constituição. Mas até lá está na plenitude das suas funções.   

    O curioso está nisto; a AR vai ser dissolvida e foram já convocadas novas eleições. Até lá o governo de A. Costa já está em gestão corrente porque, também já se sabe, antes disso será publicado em Dezembro o decreto de demissão ou seja, a aceitação do pedido de demissão. Essas eleições darão origem a nova legislatura com a consequência da demissão do governo, de acordo com o artigo anteriormente referido. Neste caso, o governo, que já estava, porque demitido, continua em gestão corrente até à (eventual) aprovação do programa do novo governo pela AR. A. Costa será finalmente exonerado na data da nomeação e posse do novo primeiro-ministro.  

    Poderia A. Costa recusar-se a continuar a ocupar o lugar de primeiro-ministro e pedir ao Presidente que nomeasse já outro? Sem dúvida que sim. Neste caso, o Presidente pediria à maioria socialista que indicasse novo inquilino para S. Bento. Mas suspeito que exigiu a A. Costa que continuasse até ser publicada a aceitação do seu pedido de demissão. E ele, ao que se vê, não tem qualquer problema nisso. 

    Claro está que, como já referi, o primeiro-ministro com a simples apresentação do pedido de demissão fica sem qualquer legitimidade política para actuar e, por arrastamento, o seu governo. Já sabemos que isso nada incomoda o personagem que o pediu. O ruído mediático que rodeia este episódio também nada o perturba. E os ministros do seu governo aprenderam com ele. As contas já estão feitas, vão lá estar mais cerca de 5 meses; desconfio que há aí uns negócios a fechar depressa.

    Já agora, não esqueçamos que o inquérito ao primeiro-ministro é feito pelo Ministério Público mas é instaurado junto do Supremo Tribunal de Justiça, pois que por crimes cometidos no exercício das suas funções, e se for caso disso, há um regime especial para o primeiro-ministro que é julgado  apenas por aquele tribunal e não pela primeira instância. Mas ninguém se esquece que o Presidente deste tribunal disse há pouco aos jornais que a corrupção está instalada no nosso país e a alto nível. É primeira vez que tal sucede. Esta afirmação não pode ser encarada de ânimo leve.     

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