Aeroporto de Lisboa: um monumento de incompetência política

Portugal gosta de se vender como país moderno e competitivo. Mas basta aterrar no Aeroporto Humberto Delgado para que a ilusão se desfaça. Décadas de má gestão, promessas incumpridas e decisões adiadas transformaram a principal porta de entrada da capital num retrato do atraso e da irresponsabilidade política — um retrato que envergonha qualquer nação que se leve a sério.
Uma herança que ninguém quis resolver Governos de todas as cores partidárias foram empurrando o problema com a barriga. Ignoraram relatórios sobre riscos de segurança, de saúde pública e de capacidade. O resultado é um aeroporto encurralado no meio da cidade, rodeado por bairros densamente povoados, onde aviões de grande porte passam a poucos metros dos telhados.

As operações de aterragem e descolagem são as fases mais perigosas de um voo. Apesar de representarem apenas cerca de seis por cento do tempo total, concentram até 70% dos acidentes. Segundo a Boeing, cerca de 50% dos incidentes ocorrem durante a aproximação final e aterragem, e mais 14% na descolagem e subida inicial. Margem de erro curta, elevado workload dos pilotos e fatores externos como mau tempo, falhas técnicas e tráfego intenso tornam estas fases críticas.

E não é apenas risco físico. Quem vive em freguesias como Alvalade ou Olivais conhece o ruído incessante, de dia e de noite. A ZERO estima que mais de 400 mil pessoas respiram partículas finas que estão diretamente ligadas a doenças cardiovasculares e neurológicas. A própria Agência Portuguesa do Ambiente já considerou a situação “insustentável” e rejeitou o plano de ruído apresentado pela ANA.

Mesmo assim, no Parlamento e nos gabinetes ministeriais, continua-se a agir como se fosse um detalhe de incómodo — porque agir agora custa votos e coragem. O 7.º pior aeroporto do mundo.

Quem passa pelo Humberto Delgado sente a decadência. No Terminal 2, descrito por passageiros como uma “cápsula do tempo”, acumulam-se filas intermináveis, atrasos crónicos e assentos em falta. Há corredores sinistros onde turistas aguardam em pé durante horas, num ambiente mais próximo de um país de terceiro mundo do que de um país europeu.

Neste caso deixo o pior para o fim. O Terminal 1 não escapa à vergonha: elevadores essenciais frequentemente avariados obrigam passageiros a carregar malas por escadas, escadas rolantes inoperacionais e filas transatlânticas amontoadas em espaços exíguos. Não surpreende que Lisboa esteja no fundo do ranking global da AirHelp: em 2024, 234.º entre 239 aeroportos — o sexto pior do mundo. Em 2025, subiu ligeiramente, mas manteve-se no grupo dos sete
piores. É um cartão de visita vergonhoso para uma economia que vive do turismo e que nunca teve a coragem política para fazer o novo aeroporto sair do papel.

Os problemas não se ficam pelas paredes. A extinção caótica do SEF e a transição para a AIMA deixaram o controlo de fronteiras em frangalhos. Novos sistemas biométricos mal implementados e falta de pessoal provocaram filas de horas, criando imagens humilhantes para o país. Um dirigente da própria AIMA descreveu o processo como “uma hecatombe”. Entretanto, o pessoal do aeroporto trabalha em condições precárias. Este verão, uma greve do handling da Menzies cancelou 20 voos num só dia. Há funcionários a receber abaixo do salário mínimo e sem pagamento devido de horas noturnas.

As companhias aéreas também pagam a fatura — e nenhuma mais do que a TAP. Os atrasos crónicos e o caos operacional não são em grande parte “culpa da TAP”, como alguns tentam fazer crer: resultam diretamente de anos de sub investimento e má gestão aeroportuária. Segundo a ANAC, as reclamações de passageiros dispararam 393% num ano. 1Obras para “inglês ver” e décadas de inação.

Perante a pressão, o Governo e a concessionária optaram por remendos temporários. Em 2024, a VINCI Airports anunciou um investimento de 233 milhões de euros para modernizar o Terminal 1: um novo “Pier Sul” de 33 000 m², dez novas pontes de embarque e doze posições de estacionamento. As obras, prometidas para 2027, poderão melhorar a experiência dos passageiros, mas não resolvem a falta de pistas — o verdadeiro bottleneck do Humberto Delgado.

Em agosto de 2025, a ANA apresentou ao Governo um plano para aumentar a capacidade declarada para 45 movimentos por hora, incluindo a transferência do aeródromo militar de Figo Maduro para a Base Aérea do Montijo (BA6) até 2028, libertando espaço para aviação civil. O problema? Este número parece mais marketing do que realidade operacional. Com apenas uma pista para chegadas e partidas, não há milagres: as operações são limitadas pela Wake Turbulence Category Separation minima — intervalos mínimos obrigatórios entre aeronaves, pela necessidade de aterragens e descolagens na mesma pista e por um taxiway layout que obriga ao cruzamento da pista durante operações de descolagem na 20.

Em teoria, 45 movimentos/hora podem figurar num PowerPoint governamental; na prática, basta um dia com baixa visibilidade (LVO) ou um imprevisto operacional para que tudo se comprometa e a bola de neve se forme.

O risco é claro: gastar centenas de milhões para prolongar uma operação saturada, em vez de fazer o que outras capitais europeias já fizeram há décadas. Munique fechou o seu aeroporto urbano nos anos 90. Berlim encerrou Tempelhof e Tegel, centralizando num hub moderno fora da cidade. Oslo e Atenas seguiram o mesmo caminho. Até os nossos vizinhos espanhóis compreenderam a importância estratégica desta mudança: El Prat opera hoje com três pistas e capacidade para mais de 70 movimentos/hora, enquanto Adolfo Suárez Madrid-Barajas, com quatro pistas paralelas e independentes, é um dos maiores hubs da Europa.

Lisboa? Continua em estudos e comissões, mantendo pistas coladas a bairros residenciais — um perigo silencioso que todos fingem não ver. Basta de desculpas. O Humberto Delgado tem de ser substituído. Não daqui a dez anos — agora. É questão de segurança, saúde e dignidade nacional. Manter este aeroporto como está é manter Portugal refém da mediocridade política. É o retrato de um país onde adiar é mais fácil do que decidir, onde se criam grupos de trabalho para discutir o que já se sabe há 40 anos e se gastam milhões em estudos que confirmam… exatamente o que o estudo anterior já dizia.

Portugal precisa de líderes com coragem e cidadãos que exijam ação — porque aeroportos degradados não trazem progresso, trazem vergonha. E quanto ao novo aeroporto? Aguardemos pela Parte 2: um concurso interminável digno de horário nobre da RTP, ao estilo O Preço Certo, onde o valor certo da obra é sempre “mais para cima” e a data de abertura vai sendo empurrada cada vez mais para a frente — enquanto, no terreno, nenhuma pá foi usada e tudo continua exatamente na mesma.

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