Sem pretender ceder ao niilista que existe em mim (e em todos nós, e a quem tento nunca procurar não dar ouvidos), pergunto-me se estaremos hoje tão destituídos de espírito moral, como Nação. Terá o individualismo e o liberalismo – filosofia política que se revê na tentativa da emancipação do indivíduo – conceitos tão louvados e presentes na política contemporânea, ocupado todo o espaço que antes pertencia à interpretação crítica das “verdades”, principalmente aquelas que nos são impostas, à nossa sociedade política (Portugal)?
O Estado de Direito é, sem dúvida, uma das maiores dádivas da civilização ocidental: estabelece, de forma saudável, a relação formal entre Estado e indivíduo. Este conceito e realidade filosófica social – abstrato e sem meta final, digno de qualquer país moderno – dificilmente será abandonado pela nossa civilização (europeia). Excetuando o anarquismo, ou uma qualquer idealização de retrocesso civilizacional a um estado primitivo, poderia tal contrato ser de facto suplantado. E é através desta interpretação que sempre que ocorre o debate público, recorremos naturalmente à interpretação jurídica, encaminhando a discussão dentro do primado da Lei. Sendo a lei, uma das extensões da nossa constituição moral e cultural, onde ela mesma é uma tentativa de interpretação da consciência do povo português. Contudo, como o final da Nossa História ainda não chegou, a consciência do nosso povo – a nossa interpretação do processo histórico do nosso povo, que se traduz nos valores morais e cultura – está em evolução e por isso necessária uma revisão da sua Constituição.
É neste ponto que temos de entender que o nosso espírito moral encontra um obstáculo. Questionar a Constituição e o quadro legal produz um abalo profundo político-social. As leis que sustentam o atual regime mostram-se, no presente momento, mal preparadas para o diálogo aberto: assistimos a este confronto no comentário televisivo, na discussão pública, no discurso político e nas grandes retóricas das figuras influentes. Onde somos confrontados com “linhas vermelhas”, insultos, ilegalidades e rotulagens e cordões sanitários sem lógica ou argumentação, exceto na esperança de preservar o status quo, “verdades” e moralidades não consensuais.
Para entendermos ainda melhor a atual situação, temos que relembrar que o regime atual assenta numa revolução que transformou toda a estrutura social, e atribuiu-se a si mesma a missão de interpretar a consciência portuguesa (se teve sucesso ou não será um debate que irá sinalizar o seu fim); porém, desde então, a sociedade mudou. Os problemas de ontem não são os de hoje; a incerteza do futuro de então é o passado de agora. Novas gerações enfrentam dilemas que o quadro jurídico vigente nem sempre compreende, e muitas vezes esses dilemas nem chegam a ser reconhecidos.
Falta, pois, debate saudável e aberto, e nesse sentido, venho propor que temas cruciais se libertem da esfera de influência do pensamento dominante e regressem à filosofia e à lógica fundamental, para que possamos reencontrar a pureza de conceitos que foram cristalizados em verdades absolutas pelo prisma jurídico. A exigência do debate impõe-se a qualquer sociedade, principalmente à nossa que conta com quase mil anos de evolução histórica.
Não existe nada mais lamentável do que sujeitar o espírito de um povo aos desígnios de um regime, que por inerência da causalidade é sempre transitório e passageiro. E é aqui que a questão da nacionalidade ganha destaque.
O debate enviesado, policiado e fechado em si mesmo, no qual começamos a ficar habituados, reflete sistemáticas tentativas de criar uma impossibilidade de verdades absolutas. Verdades essas escondidas na lei, que não passam de retórica ideológica sobre este tema. Este processo vem dificultando a compreensão dos vários problemas e atrasando o processo do reencontro com um conceito fundamental para Portugal – a Nacionalidade Portuguesa. Devemos, portanto, para ultrapassar a linha ideológica de um regime ultrapassado, questionar e debater o verdadeiro conceito da necessidade e razão da Nacionalidade. Só assim chegaremos à conclusão de que a nacionalidade é a afirmação, consciente ou não, positiva ou não, com a identificação do indivíduo com a memória histórica e sua interpretação do processo evolutivo histórico da nossa Nação, assumindo o compromisso moral e cultural para com a nossa sociedade: e é neste conceito que a lei deveria se impor e mostrar a sua necessidade.
É urgente e necessário alcançar uma emancipação retórica do conteúdo estipulado como verdade absoluta intocável. É urgente o debate profundo, intenso, moral e resoluto. Procurar na nossa consciência como Nação e povo e recuperar a própria essência aos conceitos que fizeram de nós uma Nação. Este é o momento da moral subjugar a lei e não o contrário!