Diz-se por aí, em debates, jornais e campanhas partidárias, especialmente agora com a palhaçada das eleições e mais umas semanas de campanha que é disso que eles gostam, que Portugal precisa desesperadamente de imigrantes para “fazer os trabalhos que os portugueses já não querem fazer”. Uma frase bonita, com um ar quase humanitário, não fosse o pequeno detalhe: é uma mentira conveniente, dita pelos mentirosos do costume, repetida até parecer verdade. De facto, Portugal não precisa de imigrantes para fazer os trabalhos que os portugueses não querem.
Portugal precisa de imigrantes para aceitar os salários que os portugueses, com razão, já se recusam a aceitar, e essa é a mais pura das verdades!
A diferença é colossal. Os portugueses continuam a fazer obras, a trabalhar na construção civil, a instalar painéis, canalizações, fios e andaimes. Simplesmente não o fazem aqui. Fazem-no na Suíça, na França, no Luxemburgo, no Mónaco e na Alemanha, onde o mesmo trabalho é pago 3, 4 ou até 5 vezes mais. Ou seja, o problema nunca foi a função. Foi sempre o valor.
E não estamos a falar de exceções: só na Suíça vivem mais de 250 mil portugueses, muitos deles nas áreas de construção, manutenção industrial e serviços técnicos. Em França, somos perto de 700 mil. Em 2023, por exemplo, Portugal exportou mais de 4,3 mil milhões de euros em remessas de emigrantes, um número que, curiosamente, contrasta com os cerca de 845,7 milhões enviados por imigrantes em Portugal para os seus países.
Ou seja, a ironia está no facto de que o país recebe muito mais dinheiro dos seus emigrantes do que o que “perde” com os imigrantes que cá vivem. Isto mostra, de forma clara, que o contributo dos nossos escorraçados patriotas é gigante, e que não faz sentido tratar os nossos emigrantes como “desertores” nem justificar baixos salários dizendo que “ninguém quer trabalhar”.
O ciclo é claro: saímos porque aqui não compensa, recebemos porque nos recusamos a valorizar quem cá está.
Não é preciso ir muito longe para comprovar isto. Empresas portuguesas de renome, como a Teixeira Duarte, Mota-Engil ou Grupo Casais, têm hoje mais operações e mais lucro fora de Portugal do que dentro. Em Angola, Marrocos, Alemanha, Bélgica ou Emirados Árabes Unidos, os salários pagos aos portugueses nessas mesmas empresas são multiplicados. O mesmo engenheiro civil que aqui recebe 1.500€, em Paris pode ultrapassar os 5.000€. O trolha que aqui mal sobrevive, lá fora sustenta uma família com dignidade. E sim, com contrato, com horário, com segurança. Milagre? Não. Apenas o reconhecimento de que trabalho duro merece compensação justa.
Enquanto isso, por cá, vendemos a narrativa de que os portugueses são “alérgicos ao esforço físico”. Que ninguém quer ser canalizador, que todos querem ser senhores doutores. Mentira. O que ninguém quer é trabalhar 10 horas por dia a carregar sacos de cimento por 750 euros. A esquerda e até alguns partidos de direita repete o tema da imigração como salvação para o país, para as limpezas, para a agricultura e construção civil. Mas esquece convenientemente que a origem do problema está no modelo económico que assenta na precariedade, nos salários mínimos e na ausência de valorização de quem produz.
E assim vamos, substituindo mão de obra nacional por mão de obra mais barata, vinda de contextos ainda mais difíceis e em que nada acrescenta para a nossa cultura e bem estar. Exploramos com um sorriso nos lábios, sobe o pretexto de que estamos a ser “acolhedores”. Enquanto isso, portugueses continuam a partir. Jovens qualificados, técnicos experientes, operários especializados.
Portugal exporta talento e importa mão de obra low-cost. Um país que forma para os outros, e que, ao mesmo tempo, se recusa a pagar o que o seu próprio povo merece.
Pior ainda: há quem ache isto sustentável. Políticos que se emocionam com a diversidade do mercado laboral, mas que nunca pisaram um estaleiro. Empregadores que se queixam de falta de pessoal, mas recusam subir ordenados. É uma elite urbana que aplaude o multiculturalismo desde que alguém continue a limpar-lhes as escadas por 3€ à hora.
A ironia? A mesma Europa que nos diz para acolher e integrar, é aquela onde os portugueses vão para fazer os trabalhos que supostamente “já não querem fazer”. Mas lá… fazem. Porque lá pagam. E respeitam. E promovem. Em Portugal, preferimos tratar o trabalhador como descartável, e depois admiramo-nos quando ninguém quer ficar.
Portugal não precisa de mais braços. Precisa de mais vergonha na cara. A imigração pode enriquecer uma sociedade quando é feita com integração, com dignidade, com respeito mútuo. Mas usá-la como desculpa para continuar a pagar misérias é apenas mais uma forma moderna de exploração. No fundo, exportamos a dignidade do nosso povo e agora andamos a importar mão de obra para manter os salários baixos e a consciência limpa. Que bonito. Ou como diria um político em campanha: “Estamos num bom caminho.”