Rita Mendes Correia é casada e mãe de seis filhos entre os 6 e os 16 anos. É advogada e presidente da direção da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, uma associação criada em 1999 com o objetivo de mostrar a realidade das famílias numerosas e pugnar por princípios de equidade e justiça no tratamento de todas as famílias com filhos. Atualmente, a APFN conta com mais de 11.500 famílias associadas.
Portugal é um país extremamente envelhecido e com uma taxa de natalidade das mais baixas do mundo. Como é que aqui chegámos?
Não há uma única causa mas um vasto conjunto de circunstâncias. Aquelas que mais têm ocupado a APFN, por serem as que podem e devem ser trabalhadas pelas políticas públicas são: os custos e a conciliação da família e do trabalho. Em resposta a uma época em que muitas famílias tinham muitos filhos e passaram grandes dificuldades, surge uma nova geração que diz que prefere ter só 1 ou 2 filhos e dar-lhes tudo o que precisam, sendo que este “tudo” é cada vez mais e abrange agora muitas coisas supérfluas. Já lá vai o tempo em que as políticas públicas valorizavam a família, quando existia, por exemplo, o abono de família universal. Hoje quem tem filhos é penalizado, paga mais por unidade de consumo, por serem mais pessoas em casa e, quando se olha para o rendimento, não se tem em conta quantas pessoas esse rendimento sustenta. Por outro lado, atualmente pai e mãe trabalham todo o dia fora de casa, em horários prolongados, nas grandes cidades onde as deslocações são longas e é muito difícil conciliar esta realidade com ter filhos.
Qual é a avaliação que a APFN faz das políticas públicas de apoio à família no nosso país?
O principal problema é estarem mal desenhadas. No abono de família, por exemplo, para o cálculo do rendimento de referência entram todos os rendimentos (até de avós ou irmãos que já trabalham), mas depois esse rendimento é dividido pelo número de crianças que recebe abono mais 1. Quanto ao IRS, os limites de deduções globais fazem com que existindo mais pessoas na família, menos se possa deduzir por cada. Por outro lado, a partir de determinada altura cada euro que entra é tratado sem considerar se é para uma, duas, três pessoas ou mais. A isenção de IMI só equaciona o valor da casa e o rendimento total sem ter em conta o número de pessoas da família.
Que medidas e que políticas podem fazer inverter a tendência de diminuição da natalidade em Portugal?
Costumamos insistir muito nisto: políticas de equidade e justiça. E duradouras! Em todas as situações deve ser tida devidamente em conta a dimensão familiar. É muito importante também dar mais liberdade às famílias de escolherem as melhores soluções para si: na licença de maternidade/paternidade deixar os pais escolher o melhor modelo que até pode passar por a dada altura estarem ambos de licença, cada um em part-time… ou, ir trabalhar mais cedo, mas poder ter redução de horário durante mais tempo; poder escolher a creche/escola dos filhos; poder reduzir o horário de trabalho em uma ou duas horas.
É frequente associarmos a questão da natalidade ao facto de as famílias não terem condições económicas para ter os filhos que desejam. Esta é apenas uma questão financeira, ou há outros motivos que dificultam esta tomada de decisão?
Há todas as questões relacionadas com o tempo para a família que já foram apontadas acima. É, acima de tudo, uma questão dos sinais que as políticas públicas dão às famílias. Mesmo com a atual acentuada inflação do custo dos bens e serviços essenciais não houve qualquer preocupação com as famílias onde, por serem mais em casa e já terem pouca margem, os encargos com as despesas essenciais mais aumentaram. Não houve no Orçamento de Estado, uma única medida para estas famílias: os aumentos do rendimento líquido no IRS são os mesmos, independentemente do tamanho da família.
Uma questão também extremamente relevante é a habitação. Mudar de casa para uma tipologia mais adequada para uma família que cresceu devia dar acesso a isenção de IMT.
A falta de estabilidade financeira e laboral são apontados pela maioria das mulheres portuguesas como os principais motivos para atrasarem a maternidade. O que pode/deve ser feito para resolver este problema?
Nós juntaríamos a falta de estabilidade das políticas públicas. Relativamente à estabilidade laboral, hoje em dia a nova geração está muito preparada para mudanças de trabalho e até as deseja. O problema não é tanto sair de um trabalho, mas o tempo que demoram a encontrar outro.
Existem, certamente, países para os quais podemos olhar no que diz respeito a políticas ‘amigas’ da natalidade. Pode dar-nos exemplos?
As políticas devem ser adaptadas à realidade e ao contexto cultural de cada país. Podemos ir buscar inspiração para as nossas políticas a vários países. Ao norte da Europa, por exemplo, podemos ir buscar o abono de família universal, as licenças mais prolongadas e a prática dos horários de trabalho mais curtos. França tem o coeficiente familiar, abono de família universal e um vasto conjunto de políticas muito interessante. São os países que na Europa têm índices de fecundidade mais elevados. A Hungria também está a desenvolver um conjunto de soluções muito interessante em que, por exemplo, a compra de habitação é altamente financiada para quem tem filhos e quem tem muitos filhos deixa de pagar impostos.