Médicos e Governo voltam esta sexta-feira às negociações, uma reunião considerada decisiva para um entendimento que reponha a normalidade em vários hospitais do país que estão a enfrentar constrangimentos e encerramentos temporários de serviços.
Em causa está a recusa de cerca de 2000 médicos em efetuarem trabalho extraordinário para além das 150 horas anuais a que estão obrigados, com os sindicatos a alegarem que muitos desses profissionais de saúde já ultrapassaram esse limite legal, o que coloca em risco a qualidade dos cuidados que prestam aos utentes.
Esta situação tem levado, nas últimas semanas, ao encerramento temporário ou ao funcionamento condicionado de serviços hospitalares em vários pontos do país, uma crise que o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) admitiu que pode ser mesmo “dramática” em novembro, caso o Governo e os dois sindicatos não consigam chegar a um entendimento.
O Ministério da Saúde reconhece que o SNS está a sofrer agora as consequências da reduzida formação de médicos nas décadas de 80 e 90, a que se junta o elevado número de clínicos que estão a reformar-se, mas os sindicatos consideram que o problema está antes na capacidade de o serviço público reter e captar mais profissionais de saúde.
Dados oficiais consultados pela Lusa indicam que o SNS tinha, em agosto deste ano, 21.691 médicos especialistas, mais 2.362 do que no mesmo mês de 2020, a que se somam mais cerca de 10 mil médicos internos em formação.
Apesar deste aumento superior a 12% entre 2020 e 2023, a Ordem dos Médicos refere que Portugal tem 61 mil médicos, número que duplicou nos últimos 20 anos, o que faz com que, na prática, o SNS tenha ao seu serviço apenas cerca de metade dos clínicos existentes no país.
Os mesmos dados apontam também para um aumento do número de aposentações de especialistas dos hospitais ainda nos próximos anos, sempre acima da barreira das 400 anuais até 2030, ano a partir do qual se prevê uma redução significativa de reformas de médicos.
Os anos com maior número de aposentações previstas serão 2025, com 560 médicos a aposentarem-se, e 2026, com outros 519 clínicos a passarem à reforma.
A este cenário junta-se a dificuldade que ainda se vai verificar nos próximos anos para atribuir médico de família aos 1.653.424 utentes que não têm acesso direto a esses especialistas nos cuidados primários de saúde, o que resulta numa pressão acrescida sobre as urgências hospitalares, tendo em conta a falta de alternativas dos utentes para acederem ao SNS.
É neste cenário que estão a decorrer reuniões entre o ministério e os sindicatos, um novo processo negocial, depois de o primeiro, que se iniciou ainda em 2022, ter terminado sem acordo entre as partes após dezenas de reuniões.
O Sindicato Independente do Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) não abicam de melhores condições de trabalho e aumentos nos salários base, alegando que os clínicos perderam cerca de 20% de poder de compra nos últimos anos, com o ministro da Saúde a destacar a “enorme evolução” nas propostas apresentadas pelo Governo às estruturas sindicais.
Na última reunião, os sindicatos receberam um documento mais detalhado sobre a proposta que prevê, por exemplo, um novo modelo remuneratório e um suplemento de 500 euros mensais para os médicos que realizam serviço de urgência e a possibilidade de poderem optar pelas 35 horas semanais, mas os sindicatos mantiveram a sua recusa a uma solução que passe por aumentos de suplementos salariais e do limite das horas extraordinárias das atuais 150 para 250 anuais.
A reunião desta sexta-feira vai decorrer três dias depois de o diretor executivo do SNS ter alertado que, se os médicos não chegarem a acordo com o Governo, novembro pode ser o pior mês dos últimos 44 anos desse serviço público.
O aviso de Fernando Araújo foi visto pelos sindicatos como o reconhecimento da gravidade da situação do SNS e responsabilizaram o ministro pela falta de um acordo, depois de 18 meses de negociações.
Paralelamente às negociações, a direção executiva garante que o SNS vai sofrer, a partir do próximo ano, a “grande reforma” da sua história com a criação de 31 Unidades Locais de Saúde (ULS), que se juntam às oito já existentes.
As ULS, entidades públicas empresariais, são um modelo de organização que promove a gestão integrada de cuidados de saúde primários e hospitalares agregando, numa só instituição, hospitais, centros hospitalares, centros de saúde e agrupamentos de centros de saúde de uma área geográfica.
Na terça-feira, o Presidente da República promulgou com “inúmeras dúvidas e reticências” os diplomas que aprovam a dedicação plena no SNS, a organização e funcionamento das Unidades de Saúde Familiar e a criação das Unidades Locais de Saúde.
Para 2024, o orçamento da Saúde vai ter um reforço de 1.206 milhões de euros, com a despesa total a ultrapassar a barreira dos 15 mil milhões de euros, um aumento de quase 10% face a este ano e que vai permitir, segundo o Governo, continuar a aumentar o acesso dos utentes aos cuidados de saúde, depois dos anos de grande pressão a que o SNS foi sujeito devido à Covid-19.