Em frente ao edifício do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) os manifestantes gritaram palavras de ordem como “O Douro unido jamais será vencido” e cantaram o hino nacional.
Um grupo proveniente de Ervedosa do Douro, em São João da Pesqueira, levava camisolas negras com a mensagem “Douro luto” escrito a branco e pegava num cartaz em que se podia ler “O Douro está no abismo. Em defesa da nossa sobrevivência e das nossas terras. Unidos conseguimos”.
Outros escreveram palavras de ordem como “Chega!!! O Douro é nosso, o Douro somos nós” e “Os bancos lucram milhões, o Douro nem tostões”.
“O nosso principal problema é não ter onde colocar as uvas e não fazermos dinheiro para poder pagar aquilo que gastamos. Com esta manifestação pretendemos que o Douro produza vinho do Porto só com a aguardente produzida no Douro, com uvas do Douro, e que acabem com as importações de vinho espanhol, vinho da candonga e comprem aquilo que é nosso”, afirmou Joaquim Monteiro, com 71 anos e residente em Ervedosa do Douro.
O produtor realçou que o Douro é um território difícil de trabalhar e que os agricultores não vão fazer dinheiro para pagar na vindima. “Se calhar nem vamos vindimar porque ninguém nos quer as uvas, esta é uma realidade”, salientou, sublinhando que os viticultores “estão a ficar na miséria”.
“Como é que eu vou garantir uma exploração onde, em dois anos, perco 25% do rendimento? E estamos a falar de rendimentos brutos”, salientou Abraão Santos, de 59 anos e de Alvações do Corgo, Santa Marta de Penaguião, referindo que o benefício é o que vai mantendo alguns agricultores.
O produtor lamentou o aumento dos custos com a mão-de-obra, dos fitofármacos e dos adubos, que disse terem duplicado. “Como vamos fazer face a isto, como vamos manter o Douro Património Mundial?”, acrescentou.
Com 5,5 hectares de vinha, o viticultor frisou que faz atualmente “menos dinheiro” que o seu pai com “um hectare de vinha”. No ano passado teve 17 pipas de benefício e este ano vai ter apenas 15.
O corte no benefício, que é quantidade de mosto que cada viticultor pode destinar à produção de vinho do Porto e é também uma das suas maiores fontes de receita, foi o mote para o protesto convocado pela Associação dos Viticultores e da Agricultura Familiar Douriense (Avadouriense), em conjunto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
O conselho interprofissional do IVDP fixou o benefício nas 90.000 pipas (550 litros), o que representa um corte de 14.000 pipas na produção de vinho do Porto.
Manuel Covas, com 62 anos e também de Ervedosa, fez questão de ir à Régua “dar a cara”. “Estou revoltado porque em 2000 vendi o venefício a 1.200 euros e agora vendo a 1.000 euros. Na altura pagava um trabalhador a 20 euros e agora a 50 euros. Como é que eu consigo sobreviver? Estou de luto”, salientou, realçando que os “viticultores não ganham para pagar os custos de produção”.
E, acrescentou, “este ano corre-se o risco de muitas uvas ficarem penduradas nas videiras, porque os comerciantes estão a avisar que não querem uvas”.
O presidente da Junta de Ervedosa do Douro, Manuel Fernandes, teme que o Douro esteja à beira de “uma crise social” e lembrou que muitas famílias, inclusive na sua freguesia, vivem apenas da vinha, destacando o vinho do Porto como principal frente de rendimento, já que os vinhos de mesa “não dão para o granjeio”.
O autarca teme que os produtores abandonem as propriedades e que o Douro fique deserto.
“Estou na luta dos pequenos e médios agricultores porque temos sido muito prejudicados no granjeio das vinhas”, referiu Alexandre Ferro, com 75 anos e cinco hectares de vinha em Gouvinhas, Sabrosa. As despesas, assumiu, estão sempre a subir e os rendimentos dos agricultores a baixar.
Vítor Rodrigues, da direção da CNA, explicou que a manifestação de hoje foi despoletada por um conjunto de fatores que estão a conduzir a Região Demarcada do Douro a uma “situação de pré-catástrofe”.
O anúncio de mais um corte no benefício foi o mote para o protesto, mas há mais problemas que afetam o território, como, salientou, o preço pago pelas uvas, que não “aumenta há cerca de 25 anos” quando os preços dos fatores de produção aumentaram exponencialmente, sobretudo nos últimos dois anos.
“Há a importação de vinhos e de aguardentes de fora da região, quando a região tem toda a capacidade para produzir todas as suas matérias-primas e, aliás, essa é uma reivindicações que trazemos hoje aqui à manifestação, é que todo o vinho do Porto seja feito com matérias-primas da região, incluindo as aguardentes”, frisou Vítor Rodrigues.
O dirigente apelou ainda à concretização das eleições para a Casa do Douro, para que esta possa cumprir o seu papel de “regulador da produção e dos ‘stocks’”.
Os viticultores percorreram a pé algumas das principais artérias da cidade, terminando o protesto na zona da estação.
Ao final da manhã uma comitiva vai ser recebida pelo presidente do IVDP.