Inaugurado em 22 de Junho de 2018, no seio de uma antiga fábrica de cortiça, o Mercado da Romeira é hoje um vibrante food court.
Abre todos os dias, com balcões de restauração, bar até às 2h, música ao vivo semanal, e eventos temáticos ao longo do ano.
A zona da Romeira é um exemplo bem-sucedido de requalificação urbana na Margem Sul, sendo que passou de área industrial abandonada a um destino de eleição para comer, beber, socializar e mesmo viver, com ambiente moderno e boa acessibilidade.
Mas por trás do cenário cosmopolita, há um segundo acto. Um daqueles que ninguém quer “instagramar”: nos armazéns em escombros, mesmo ali ao lado, vivem comunidades invisíveis; de cidadãos pouco integrados no mercado de trabalho e que formam pequenas redes de ocupação, alimentando-se, em certos casos, da mendicância organizada, dos metais furtados e de outras formas paralelas de sobrevivência.
A reabilitação da Romeira foi uma operação de cosmética moral, onde “Requalificar” se tornou o verbo da nova liturgia urbana.
É conveniente reconhecer a hipocrisia de construir um oásis gourmet a 50 metros de uma “quase” favela europeia; pese embora, o descarte dos progressistas da cultura urbana e dos gestores municipais que usam a inclusão como palavra-chave para a negligência.
É mais confortável falar de “desafios da diversidade” do que admitir que certas comunidades vivem num modelo “clânico”, com códigos próprios, com redes transnacionais e que sabem navegar, tanto nos interstícios legais, como nos subterrâneos do Estado Social. As máfias da esmola não são um mito, são organizadas, e muitas vezes invisíveis aos olhos da lei porque operam no limbo entre o assistencialismo e a omissão.
À primeira vista, a presença da Base Naval de Lisboa, a apenas alguns metros da zona da Romeira, deveria servir como uma âncora simbólica de soberania, ordem e dissuasão. Afinal, falamos da Marinha de Guerra Portuguesa, herdeira de uma tradição imperial, depositária do espírito marítimo que levou a caravela e a cruz às costas do mundo.
Ironicamente, do outro lado da vedação, enquanto se ensaiam manobras e se hasteiam bandeiras ao som do hino, reina uma terra sem rei nem lei e, ainda assim com códigos próprios, fogueiras nocturnas e ocupações ilegais.
Alguns espectros políticos preferem ver nestas pessoas uma exclusão da sociedade, já outros, reconhecem nelas um reflexo da fragilidade do Estado.
A verdade crua é esta: a Câmara sabe, a Marinha vê, os moradores percebem, mas ninguém age. E assim, a cidade caminha para um modelo esquizofrénico, onde o Estado finge ser Estado e o submundo finge ser vítima; numa dança silenciosa de cumplicidades mútuas.