Noventa anos

A minha mãe tem noventa anos. Caiu, magoou-se no braço e foi levada ao hospital de Fafe. Chegou às duas da tarde e o hospital não tinha sequer uma tala. Improvisaram com um cartão. Um cartão! Como se um pedaço de cartão pudesse substituir a dignidade, a dor e o cuidado que qualquer pessoa — ainda mais uma idosa de noventa anos — deveria merecer.

Levei-a para Guimarães, acreditando que num hospital maior haveria mais condições. Enganei-me. Lá ficou sentada, à espera. Uma hora para o raio-X. Quatro horas e meia até que alguém começasse finalmente a tratar dela.
Das 14h às 18h35, uma mulher de noventa anos esperou para poder ter um simples gesso.
Durante esse tempo, ninguém lhe deu um comprimido para a dor, ninguém perguntou se precisava de água, ninguém lhe ofereceu um gesto de humanidade.

O médico que devia colocar o gesso não podia fazê-lo sozinho, porque precisava de um assistente — e os assistentes estavam ocupados a operar.
E assim, entre desculpas e portas fechadas, o sofrimento de uma idosa tornou-se apenas mais um número numa lista de espera.

Esta é a face verdadeira do Serviço Nacional de Saúde.
Um sistema que sobrevive à custa da paciência de quem sofre e da incompetência de quem o governa.
Um sistema destruído por décadas de má gestão, cortes cegos e propaganda barata.
O mesmo governo que se enche de orgulho a dizer que “ninguém fica para trás” é o que abandona os nossos idosos nas salas de espera, sem dor, sem voz e sem dignidade.

Pagamos impostos como se vivêssemos num país de excelência, mas somos tratados como um país de favor.
O SNS tornou-se um campo de experiência para ministros falhados, um instrumento político onde cada governo promete reformas que nunca chegam, e cada cidadão paga a fatura do desastre.
Enquanto os governantes tiram fotografias em inaugurações de hospitais novos, os velhos morrem em macas, os doentes esperam meses e os profissionais fogem.

Não se trata de falta de dinheiro.
Trata-se de prioridades.
Há milhões para fundações, subsídios e assessores, mas não há verba para talas, enfermeiros ou médicos suficientes.
O governo prefere slogans a soluções. Prefere discursos a ação.
E enquanto isso, as pessoas sofrem em silêncio.

A minha mãe esperou quatro horas e meia por um gesto que devia demorar minutos.
Mas podia ter sido outra pessoa.
Podia ter sido a tua mãe, a tua avó, alguém que amamos.
E é isso que torna tudo ainda mais revoltante — porque amanhã, vai acontecer outra vez, e o governo vai continuar a fingir que está tudo bem.

O que aconteceu hoje é uma vergonha nacional.
Não é um caso isolado — é o retrato fiel de um país entregue à incompetência e à indiferença.
Um país onde há um ministro para cada escândalo, mas não há um profissional para acudir um idoso.
Onde há um porta-voz para justificar o caos, mas não há um par de mãos para aliviar a dor.

A minha mãe não é um número. É uma vida.
E quando um país trata assim quem deu tudo de si, já não é apenas o sistema de saúde que está doente — é a consciência de quem o governa.
Porque o que se passou hoje não foi apenas negligência médica.
Foi negligência política.
E essa, Portugal inteiro continua a pagar — todos os dias, com dor, com desespero e com vergonha.

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