Rita Durão, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais, manifesta-se surpreendida com a rutura política, mas notou o habitual discurso norte-coreano de preparação para a guerra, sobretudo quando no Sul governam os conservadores.
Sublinhando ser uma altura de muitas incógnitas, a investigadora avançou à Lusa a hipótese de Pyongyang repetir o “chamar a atenção da comunidade internacional, dos EUA, para depois os trazer para a mesa de negociação e tentar o alívio de sanções”.
Acrescentou ainda dúvidas sobre o líder norte-coreano ter abdicado verdadeiramente da reunificação, ou se o fez, apenas nos termos sul-coreanos (“absorção”), enquanto Kim Jong Un defende “uma Nação, um Estado com dois sistemas”.
Para a também doutoranda em Relações Internacionais na Universidade NOVA de Lisboa, também pode estar em causa uma posição para marcar o calendário eleitoral dos EUA, porque foi foi com Donald Trump que os norte-coreanos conseguiram reunir-se e estarão agora “eventualmente interessados numa nova eleição” do antigo chefe de Estado norte-americano.
Outra leitura faz-se a nível doméstico, por a Coreia do Norte ser um país “muito isolado e com várias dificuldades a nível económico”. “As armas nucleares e os testes acabam por ser uma fonte do poder do próprio líder”, disse.
“Manter o exército nas mãos do líder e a recente cimeira entre Kim Jong Un e Vladimir Putin (Presidente russo) são momentos aproveitados pela propaganda e meios estatais de media para mostrar à população que a Coreia do Norte tem relevância internacional”, disse.
Para Rita Durão, “seria importante retomar o foco em diálogo” e ultrapassar o “foco excessivo na necessidade de “desnuclearização”, e “mais prudente começar a tentar o controlo de armamento”, embora os sinais sejam uma falta de interesse de Pyongyang em dialogar “muito devido ao facto do governo sul-coreano, neste momento, não ser também muito dado a diálogo”.
Já a aproximação à Rússia também “deve ser lida com cuidado porque a Coreia do Norte é conhecida por conseguir de forma eficaz ora aproximar-se da China, ora da Rússia para depois jogar os seus ‘aliados’ uns contra os outros no que lhe for mais conveniente e rejeita dependência mesmo neles”.
Citado pela agência AP, Ankit Panda, do ‘think tank’ Fundo Carnegie para a Paz Internacional, notou como Pyongyang tem recalibrado a sua abordagem regional desde a falhada cimeira de Hanói em 2019, com Trump, mas, atualmente, com “capacidades nucleares e de mísseis avançadas e o apoio da Rússia e da China, Kim sente-se suficientemente confiante para fazer mudanças”.
Já Hong Min, analista do Instituto para a Unificação Nacional da Coreia do Sul, notou como os norte-coreanos não encaram Seul como um intermediário útil para retirar concessões de Washington, argumentando que apelidar o vizinho de adversário permanente poderá aumentar a credibilidade da escalada da doutrina nuclear da Coreia do Norte.
À Al Jazeera, Ruediger Frank, da Universidade de Viena, acrescentou que designar a Coreia do Sul como país estrangeiro é “significativo”, pois teoricamente abre caminho para o conflito ou para a normalização das relações.
Do lado dos analistas que caracterizam os últimos desenvolvimentos em linha com o habitual, Andrei Lankov, da Universidade Kookmin da Coreia do Sul, referiu haver “memória curta” quando se trata de ameaças norte-coreanas.
“Há dez anos, a Coreia do Norte disse que a guerra começaria oficialmente nas próximas semanas” e houve abordagem a embaixadas e até a residentes estrangeiros no Sul, notou também à Al Jazeera.