Segundo a contestação à ação cível interposta pelo ex-administrador, a que a Lusa teve acesso, a SCML e a SCG asseguram estarem confrontadas “com uma situação verdadeiramente explosiva” devido ao projeto de internacionalização dos jogos sociais, assegurando que as contingências “ainda desconhecidas” das operações e investimentos efetuados podem representar um “prejuízo potencial ainda incalculável”.
Na origem deste processo está a destituição de Francisco Pessoa e Costa de gerente da SCG em 29 de novembro de 2023, contra a qual o ex-administrador agiu judicialmente, ao considerar que não existe justa causa para a sua saída e que a decisão de o afastar colocou em causa a sua reputação e a sua saúde mental e da família, reivindicando, por isso, uma indemnização de aproximadamente 300 mil euros.
Em resposta, a SCG alega danos patrimoniais de 45.299.984 euros e danos morais de 250 mil euros, enquanto a SCML terá sido prejudicada em 14.576.579 euros, reclamando danos morais de 750 mil euros. No total, os prejuízos imputados ao ex-administrador – que terá agido “em sintonia e com propósitos comuns” com o ex-provedor Edmundo Martinho e o ex-administrador da SCG Ricardo Gonçalves – ascendem a 60.876.563 euros.
A contestação das duas entidades refuta qualquer nulidade na deliberação que destituiu Francisco Pessoa e Costa, defende que o ex-administrador não tinha legitimidade para reclamar a anulação e salienta ainda que, mesmo que houvesse legitimidade, a ação de anulação já foi apresentada fora do prazo legal. Realça também que o pedido de indemnização também não está conforme a lei, por ser genérico, mas, sobretudo, reitera a justa causa para a destituição.
“Não houve um só negócio prosseguido pelo autor [Francisco Pessoa e Costa] que trouxesse frutos à sociedade, às suas participadas ou à sócia única. Apenas perdas”, lê-se no documento, que argumenta que o insucesso das operações financeiras, os “comportamentos descuidados – senão mesmo ilícitos” – e os parceiros escolhidos “’mancharam’ de forma inequívoca e irreparável a imagem e reputação” da Santa Casa.
O documento resume o projeto de internacionalização levado a cabo desde 2020 pela SCG, lembrando que a sua constituição foi autorizada pela tutela como sociedade unipessoal por quotas, “de modo a limitar a responsabilidade jurídica e patrimonial da SCML face ao projeto”. No entanto, imputa ao ex-administrador a inclusão de “cláusulas abusivas” no acordo de exercício do mandato de gerente, como uma remuneração mensal de cerca de seis mil euros e senhas de presença de mil euros nas reuniões do conselho de gerência.
Considerando que as decisões do ex-gerente “parecem ir ao encontro de meros benefícios pessoais”, as instituições responsabilizam Francisco Pessoa e Costa pela “rede de empresas constituídas sem qualquer fundamento”, bem como pela escolha de parceiros alegadamente sem idoneidade, indicando um conjunto de irregularidades na SCG, na SCG Brasil, na SCG Brasil Participações, na MCE, na Santa Casa Capitalização ou na Ainima Holdings, entre outras.
Entre as irregularidades apontadas estão a aprovação de regulamentos de subsídios de deslocação e despesas de representação, incumprimento nos deveres de diligência sobre terceiros, realização de investimentos de risco elevado – contrariamente ao definido pela tutela -, transferências bancárias para entidades sem documentos que expliquem a prestação de serviços ou inexistência de livros de atas de órgãos sociais, etc.
Argumentam ainda que o ex-administrador levou a SCML a injetar dinheiro na SCG, sendo que esses capitais “não tinham qualquer garantia de retorno” e que os mesmos foram para “transferências e investimentos sem qualquer zelo, lealdade e cuidado”.
Acusam também Francisco Pessoa e Costa – que foi ouvido na semana passada no parlamento sobre a situação financeira da SCML e o negócio da internacionalização – de ter supostamente omitido informações relevantes às entidades, imputando-lhe “violação do dever de diligência por manifesta displicência”, uma “incapacidade profissional para o cargo” e ainda “flagrante descuido em relação à sustentabilidade patrimonial da sociedade”.
Embora apontem uma atuação “em conluio com os demais gerentes” (Edmundo Martinho e Ricardo Gonçalves) e a previsão legal de uma “responsabilidade solidária (…) pelos danos causados”, as duas instituições defendem ser “absolutamente legítimo assacar de um só dos agentes [neste caso Francisco Pessoa e Costa] a totalidade dos prejuízos” decorrentes desta “‘aventura financeira’”.
A contestação conclui que “tudo isto, agora, evidencia uma estratégia concertada entre Edmundo Martinho, Ricardo Gonçalves e o Autor, que, abusando da confiança que lhes era depositada, com o intuito de obter ganhos para si em detrimento dos interesses sociais e da sócia única [SCML], delinearam um plano ruinoso”, notando que o ex-administrador se serviu de “526 anos de história e trabalho a favor da comunidade”.