O autor do livro “The Asian 21st Century” admitiu, no entanto, que a China vai ser “mais cautelosa” no futuro, numa altura em que o excesso de endividamento em alguns países e projetos comercialmente inviáveis estão a levar Pequim a repensar o seu gigantesco programa internacional de infraestruturas.
“Mas há muitas histórias de sucesso”, ressalvou à Lusa Mahbubani, que foi durante mais de 30 anos diplomata, tendo assumido a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Mahbubani destacou a inauguração recente na Indonésia da primeira linha ferroviária de alta velocidade do sudeste asiático, que liga Jacarta a Bandung, a capital da província de Java Ocidental.
“As pessoas esquecem o impacto psicológico para um país como a Indonésia de ter agora um comboio que se desloca a 350 quilómetros por hora, mais rápido do que qualquer ligação ferroviária nos Estados Unidos”, descreveu.
“Isto aumenta a confiança da população”, disse.
Apontou também os efeitos práticos da construção da ponte Peljesac, com 2,4 quilómetros de extensão, que liga a região costeira do sul da Croácia com o resto do país no Mar Adriático. Construída pela firma estatal China Road and Bridge Corporation (CRBC), a ponte, que foi inaugurada o ano passado, facilitou a integração da Croácia no Espaço Schengen.
“E foi construída dentro do prazo previsto”, realçou Mahbubani.
Segundo dados da AidData, unidade de pesquisa sobre financiamento internacional, com sede nos Estados Unidos, nos primeiros cinco anos desde o lançamento da Faixa e Rota (2013-2017), a China financiou, em média, 83,5 mil milhões de dólares (79,3 mil milhões de euros) por ano em projetos de desenvolvimento no estrangeiro, cimentando a liderança do país como principal financiador internacional.
O aumento líquido, de 31,3 mil milhões de dólares (21,7 mil milhões de euros) por ano, em relação aos cinco anos anteriores (2008-2012), é equivalente ao financiamento anual médio dos Estados Unidos, que ocupam a segunda posição, no período 2013-2017.
“A nível de financiamento de infraestruturas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional praticamente abandonaram o jogo”, descreveu Mahbubani. “Isso é um erro”.
Em entrevista à agência Lusa, o diplomata de Singapura disse que as agências ocidentais impõem demasiadas condições para financiar obras, enquanto os chineses “chegam e executam”.
“É por isso que alguns governantes africanos dizem: ‘quando vem um chinês, recebo uma escola; quando vem um americano, recebo um sermão”, ironizou.
Designado pelo líder chinês, Xi Jinping, como o “projeto do século”, a iniciativa foi inicialmente apresentada no Cazaquistão como um novo corredor económico para a Eurásia, inspirado na antiga Rota da Seda. Na última década, no entanto, a Faixa e Rota adquiriu dimensão global, à medida que mais de 150 países em todo o mundo aderiram ao programa.
O projeto reflete a experiência da China: a construção maciça de infraestrutura nas últimas duas décadas dotou o país da mais extensa rede ferroviária de alta velocidade do mundo, quase uma centena de aeroportos, alguns dos maiores portos do mundo e dezenas de cidades construídas de raiz.
Isto impulsionou os níveis de produtividade, expandiu mercados e conectou a base manufatureira das cidades mais pequenas aos centros de pesquisa e desenvolvimento situados nos principais centros urbanos. A classe média chinesa alargou-se em centenas de milhões de pessoas.
Mas a aproximação entre Pequim e os países envolvidos na iniciativa abarca um incremento da cooperação no âmbito do ciberespaço, meios académicos, imprensa, regras de comércio ou acordos de circulação monetária, visando elevar o papel da moeda chinesa, o yuan, nas trocas comerciais.
A crescente influência da China em diferentes partes do planeta acirrou a competição entre Pequim e outras grandes potências. Em particular, o país asiático passou a estar mais ativo na Ásia central, que ocupa um espaço determinante na iniciativa.
A Rússia, que desde meados do século XIX é a principal potência na Ásia central, viu assim o seu protagonismo na região ameaçado.
No entanto, o líder russo, Vladimir Putin, é uma das principais figuras que vai participar na terceira edição do fórum dedicado ao principal programa da política externa de Pequim, que se realiza entre os dias 17 e 18 de outubro, na capital chinesa. Cerca de 90 países confirmaram já a sua participação, segundo fontes do Governo chinês.
“A Rússia precisa muito da China”, observou Mahbubani.
“A questão é saber se [os russos] vão ou não ser bem-sucedidos na Ucrânia. Se conseguirem neutralizar a Ucrânia, que é o seu objetivo, então os russos dirão: ‘Muito bem, agora pudemos voltar à Ásia central’”, descreveu. “Neste momento, não têm recursos para o fazer”, disse. “Moscovo vai ter que ser paciente”.