Sozinhos, doentes com demência desaparecem e outros saem sem acompanhamento do hospital

Os casos de cuidadores impedidos de acompanhar doentes com demência nos serviços de saúde multiplicam-se, havendo histórias de idosos que desaparecem do sistema ou que saem sozinhos do hospital sendo encontrados, por vizinhos, “a dormir no chão do prédio”.

© D.R.

Há 10 anos que a lei garante a todos os utentes o direito a estarem acompanhados nos serviços de saúde, mas este é um diploma que é muitas vezes ignorado.

Em 2023, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) recebeu 994 queixas relacionadas com “acompanhamento durante a prestação de cuidados” e no ano anterior recebeu 1.018 denúncias.

Nem todas dizem respeito a doentes com demência, mas “acontecem com alguma frequência e são absolutamente inaceitáveis”, disse à Lusa Catarina Alvarez, da Alzheimer Portugal – Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer.

Entre as reclamações feitas à ERS está a dos familiares de Jorge (nome fictício), impedidos de acompanhar um idoso de 84 anos às urgências do Hospital Garcia de Orta, em Almada.

Numa madrugada de outubro do ano passado, a mulher ficou à espera na rua até ser aconselhada a ir “para casa descansada”, porque os exames iriam “demorar mais de seis horas” e assim que “o paciente tivesse alta contactá-la-iam”, lê-se na queixa escrita pela sobrinha.

No entanto, poucas horas depois, por volta das sete da manhã, foi alertada pelos vizinhos que o marido “estava no corredor do prédio a dormir no chão”.

No caso de Jorge, houve também uma falha nos procedimentos de alta dos doentes. No ano passado, a ERS recebeu 116 queixas relacionadas com pacientes que tiveram alta “sem contacto a acompanhante” ou em que houve “falhas de vigilância e de controlo de saídas”, explicou o gabinete de comunicação da ERS.

Mais uma vez, nem todas estas queixas dizem respeito a doentes com demência. Nem todas significam que a pessoa desapareceu, sublinha o gabinete de imprensa da ERS.

Mas, ao entrarem sozinhos nas urgências, “o risco de desaparecimento é bastante elevado assim como o de a pessoa não ser encontrada em tempo útil”, alertou Catarina Alvarez. Felizmente, acrescentou, “na maior parte das vezes, o desfecho é positivo, porque a pessoa é encontrada por um familiar ou por alguém que a procura”.

Foi o caso de Maria (nome fictício), que “desapareceu do sistema” do Garcia de Orta durante várias horas, deixando a família em pânico.

“Incapacitada a nível de audição, mobilidade e fala”, Maria também deu entrada nas urgências sozinha, porque a família foi impedida de entrar e aconselhada a ir para casa.

Horas mais tarde, “ninguém sabia da minha mãe”, relata a filha na queixa enviada à ERS, na qual revela que uma funcionária lhe disse que a mãe “não estava no sistema”: A médica tinha-lhe dado “alta por abandono”, por não comparecer à consulta de urgência.

“Como é que querem que uma pessoa que não anda, não ouve, não fala e não tem capacidade de raciocínio consiga perceber e sequer movimentar-se para ir à consulta de urgência?”, questiona a filha, criticando também os serviços por não avisarem a família de que a mãe tinha tido alta.

  “Se não fôssemos nós a ligar para saber dela, ainda hoje lá estava perdida naquele hospital”, acusa a filha.

No mês seguinte, tiveram de voltar ao hospital, tendo sido novamente ignorado o direito a ter um acompanhante, apesar de a filha alertar para o facto de a senhora não conseguir explicar o motivo da ida às urgências.

A presença do um acompanhante é também “uma vantagem para a equipa clínica, porque às vezes a pessoa tem dificuldades em descrever a sua situação clínica e, portanto, ter um acompanhante é fundamental e necessário”, salientou o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Xavier Barreto.

Exemplo disso foi também a recente ida às urgências de Teresa (nome fictício). A senhora com Alzheimer caiu e bateu com a cabeça, tendo perdido a consciência durante alguns minutos. À entrada do hospital, a sobrinha foi impedida de a acompanhar, apesar de ter alertado para a situação clínica da tia e da sua incapacidade de transmitir informações.

Resultado: A carta de alta referia que a doente não tinha queixas ou dores, contou à Lusa a filha, sublinhando que “é normal acontecer sempre que vai sem acompanhante, por não se recordar do motivo que a fez ser transportada às urgências”.

Este caso nunca chegou ao conhecimento das autoridades e a família pretende manter o anonimato, até por ser muito provável que tenham de voltar ao mesmo hospital.

Em setembro, quando Teresa deu entrada nas urgências de uma unidade hospitalar de Coimbra, a sobrinha, que é cuidadora, foi impedida de entrar. A família ficou mais de 48 horas sem informações, apesar dos muitos contactos.

A filha de Teresa diz que só quando a família ameaçou fazer queixa à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) é que a senhora apareceu: “Foi entregue nua, suja, descalça, coberta com uma bata e sentada numa cadeira de rodas”, recordou à Lusa.

Nesse dia, a mãe trazia ao colo, num saco de plástico, a sua roupa suja, misturada com o cartão de cidadão. Nesses dois dias, Teresa “não tomou a medicação, não recebeu cuidados de higiene, nem foi levada a uma casa de banho”, contou.

Mas há casos que, mesmo sob ameaça, continuam por resolver, como a de Avelina Ferreira, que desapareceu a 12 de dezembro de 2023, depois de ter entrado sozinha nas urgências do Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, uma vez que o marido foi impedido de a acompanhar. Esteve sete horas à espera do lado de fora das urgências, até descobrir que Avelina tinha desaparecido.

O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, defende que nestes casos é importante investigar o que se passou.

De um direito com uma década que já motivou milhares de queixas, a ERS avançou com dois processos de contraordenação: Um caso ocorreu em 2017 no Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, e outro em 2018 no Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Ambas as unidades de saúde foram multadas com uma coima de 2.500 euros.

Últimas do País

Uma das mais urgentes prioridades para o CHEGA na Câmara Municipal do Porto é pressionar o Executivo de Pedro Duarte a tomar decisões sobre o MetroBus na Avenida da Boavista.
O Conselho das Finanças Públicas confirma o pior cenário: o Serviço Nacional de Saúde afundou as contas públicas em 2024, absorvendo 93% de todos os prejuízos das empresas do Estado.
Portugal está a gastar mais de 40 milhões de euros por ano com reclusos estrangeiros, as prisões estão sobrelotadas, as agressões a guardas aumentam e o sistema aproxima-se do limite.
O Instituto Nacional de Emergência Médica registou este ano 28 intoxicações por monóxido de carbono, mais 10 do que em todo o ano de 2024, e alertou, esta quinta-feira, para os riscos de braseiras, esquentadores e fogões em locais com pouca ventilação.
A idade da reforma deverá subir para os 66 anos e 11 meses em 2027, um aumento de dois meses face ao valor estabelecido para 2026, segundo os cálculos com base nos dados provisórios divulgados hoje pelo INE.
O número de pedidos para indemnizações por abusos sexuais na Igreja Católica aumentou para 93, disse hoje a coordenadora do Grupo VITA.
O Estado está a ser ultrapassado dentro da sua própria casa: cerca de 300 fogos públicos foram tomados ilegalmente e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) admite não ter mãos a medir. Lisboa lidera o caos, os despejos duplicam e a vigilância é impossível num património espalhado por 493 bairros.
O presidente da associação de médicos tarefeiros, que hoje se reuniu com o Ministério da Saúde, prevê entregar à tutela até ao final do ano as suas propostas para disciplinar a prestação de serviços nos hospitais públicos.
A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) avalia os quase dois anos de expansão das Unidades Locais de Saúde (ULS) como “acidentados” num país onde as assimetrias criaram integração de cuidados “muito diferente nos vários locais”.
Elementos do Departamento de Investigação Criminal (DIC) da PSP do Porto terminaram ao início desta manhã de realizar buscas a “várias residências dos Super Dragões no distrito do Porto, avançou fonte da PSP do Porto.