“Os crimes que poderão estar em causa, numa qualificação ainda preliminar e dependente de melhor prova, são os de corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, prevaricação e abuso de poder, não havendo ainda arguidos constituídos”, informou a Procuradoria da República da comarca de Lisboa Oeste.
Numa nota publicada na página na Internet da procuradoria, relacionada com as buscas hoje realizadas na Câmara Municipal de Cascais, no distrito de Lisboa, acrescenta-se que a investigação se encontra “a coberto de segredo de justiça”.
O Ministério Público esclareceu que decorreram hoje “um conjunto de buscas domiciliárias e não domiciliárias, que visaram a empresa municipal Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias”, unidades orgânicas da Câmara de Cascais, “alguns elementos afetos a essas entidades e ainda duas sociedades privadas”.
Na nota pode ler-se que as buscas “decorreram de forma normal, sem incidentes e com colaboração dos visados, tendo sido recolhida prova documental e, sobretudo, prova digital, mormente sob a forma de correio eletrónico”.
Os factos investigados “reportam-se a suspeitas de benefício indevido de uma sociedade privada detida por cidadã estrangeira”, por via da alienação àquela sociedade, “a preço de custo e sem qualquer procedimento formal de contratação pública, de património imobiliário e mobiliário adquirido pelo município de Cascais e estruturado como unidade fabril de produção de máscaras cirúrgicas”, acrescenta.
Segundo a procuradoria, os factos “terão ocorrido entre 07 de maio de 2020 e 02 de maio de 2022”.
As buscas realizadas pela Polícia Judiciária (PJ) na Câmara de Cascais tiveram início durante a manhã e terminaram pouco depois das 15:30, disse à Lusa fonte da autarquia.
O presidente da Câmara, Carlos Carreiras (PSD), afirmou não estar surpreendido com as buscas e explicou que decorrem de um relatório que o Tribunal de Contas elaborou na sequência de inspeções feitas à fábrica de máscaras.
O autarca referiu ainda que a Câmara de Cascais contestou o relatório por considerar que “não havia nenhuma irregularidade”, afirmando que é isso “que vai ser apurado” com estas buscas.
Carreiras disse estar “de consciência tranquila” e assumiu-se como o único responsável em todo o processo da fábrica de máscaras, desresponsabilizando o seu então vice-presidente, Miguel Pinto Luz (atual ministro das Infraestruturas e Habitação), bem como os restantes vereadores.
O social-democrata revelou ainda que, além da câmara municipal, a PJ estava a fazer buscas a meios informáticos do Edifício São José, onde funcionam os serviços de Urbanismo do concelho, no Cascais Center e na empresa municipal que geriu o processo de comunicação relacionado com as máscaras.
O município lançou em junho de 2020 a produção própria de máscaras cirúrgicas de proteção individual destinadas à população, com equipamento oriundo da China, abastecendo igualmente outros municípios.
Num investimento de 500 mil euros, Cascais reconverteu um antigo armazém numa fábrica de produção de máscaras.
Comprou ainda duas máquinas na China e, em 28 junho de 2020, tinha “uma capacidade de produção de mais de cinco milhões de máscaras por mês, com um custo de produção por unidade que [era] metade do melhor preço praticado pelo mercado”, referiu na altura o então vereador Miguel Pinto Luz.
A autarquia disponibilizou também 400 dispensadores com máscaras pelo concelho e distribuiu gratuitamente máscaras aos utilizadores de transportes públicos, onde este equipamento era de uso obrigatório na sequência das medidas de prevenção da covid-19.
A Iniciativa Liberal (IL) de Cascais considerou, entretanto, “preocupantes as buscas” na autarquia, referindo que podem estar relacionadas com a venda dos armazéns onde funcionava a fábrica à empresa que instalou e produziu as máscaras.
“Na realidade, a Câmara Municipal de Cascais parece ter escolhido como critério para a determinação do valor de venda em 2021 simplesmente o mesmo valor pelo qual adquiriu os armazéns em 2020, apesar de as condições de mercado serem claramente diferentes”, acusou a IL de Cascais em comunicado.
Segundo o partido, o município argumentou que, “entre os motivos da venda à sociedade Shiningjoy, se encontrava o facto de esta empresa ter uma parceria com a empresa municipal Cascais Próxima E.M. S.A. para a produção de material de proteção individual devido à pandemia”.
Além disso, referem os liberais, a autarquia indicou os factos de a Shiningjoy ter “larga experiência na fabricação deste tipo de material, ter dotado as instalações com mais quatro máquinas para produção de material de proteção individual e ter criado 30 postos de trabalho”.
“Não é de todo compreensível este tipo de argumentação no qual se parece ter dado preferência a um determinado comprador com base apenas na relação de parceria que existe entre o mesmo e uma empresa municipal”, explicou a IL.