As eleições em 26 de setembro de 2021 decorreram quando ainda se faziam sentir os efeitos financeiros e sociais da crise sanitária causada pela covid-19, durante a qual os municípios lideraram o apoio de proximidade às populações.
Pela primeira vez, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) elegeu para presidente uma mulher, a socialista Luísa Salgueiro, que dirige a Câmara de Matosinhos, e os principais objetivos estabelecidos foram concretizar a descentralização na educação, saúde e ação social, as áreas que envolvem as maiores transferências de dinheiro e de pessoal, mas também restaurar a economia local debilitada pela pandemia, acordar com o Governo uma nova Lei das Finanças Locais (LFL), participar na negociação de um novo quadro de fundos comunitários e na execução de uma parte significativa das verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), nomeadamente no que respeita à recuperação de escolas e de centros de saúde e ainda de construção ou reabilitação de habitações num prazo curto até 2026.
O conturbado processo de descentralização iniciado em 2019 foi consolidado no início de abril de 2023 com a passagem definitiva para todos os municípios das competências na área da ação social, que foi o último diploma setorial a ser publicado.
A insuficiência de verbas previstas pelo então Governo socialista para desempenhar as competências, sobretudo nas áreas da educação, saúde e ação social, que previam a transferência para as câmaras de funcionários e equipamentos, foram os principais obstáculos à adesão voluntária de municípios.
O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, encabeçou o grupo de autarcas descontentes, o que acabou por resultar na saída do Porto da ANMP, por não se sentir bem representado, embora na realidade a ANMP continue a ser o principal interlocutor do Governo com os municípios.
Num mandato em que houve eleições legislativas inesperadas, com uma alteração do Governo, e quando há incertezas quanto às linhas do Orçamento do Estado para 2025, as autarquias estão expectantes em relação aos ajustes ao modelo de descentralização que foi desenvolvido pelos últimos governos socialistas e ainda em relação a uma nova LFL.
Tendo em conta as novas competências entretanto assumidas, tanto a ANMP como a Associação Nacional de Freguesias (Anafre) têm exigido que a nova LFL, que estava já em negociação com o anterior Governo, contenha pelo menos o reforço da participação das autarquias nos impostos do Estado.
O atual executivo manteve uma LFL entre as prioridades no seu Programa de Governo, com a pretensão de “aperfeiçoar e aprofundar o sistema de transferência de competências para as autarquias locais”, assegurando para isso “meios financeiros, incentivos, garantia de qualidade, coesão territorial e igualdade de oportunidades”.
Quanto aos setores a descentralizar, o novo Governo considera que a descentralização “deve avançar nas áreas preferenciais identificadas desde 2013”, altura da reforma administrativa desenvolvida pelo Governo de Pedro Passos Coelho, nomeadamente nos cuidados de saúde primários, educação até ao nível secundário e ação social.
Além de novas competências em 22 áreas, os municípios estão também envolvidos na execução de verbas significativas do PRR ao nível da construção ou reabilitação de habitações destinadas às famílias mais vulneráveis e da reabilitação ou construção das escolas e dos centros de saúde que vão receber no âmbito da descentralização nestas áreas.
Até ao início de setembro, as autarquias e as áreas metropolitanas tinham recebido 526 milhões de euros de pagamentos relativos a projetos aprovados no âmbito do PRR e tinham projetos aprovados no valor de 3.117 milhões de euros.
Só em julho foram assinados mais de 300 contratos com autarquias para construção e reabilitação de casas, num valor global de cerca de 720 milhões de euros, segundo informação do Governo, que apresentou um balanço de 6.700 casas construídas até então.
No final desse mesmo mês, Luísa Salgueiro alertava que os municípios estavam “a lutar contra o tempo” para executar os fundos europeus para construir e reabilitar habitações, missão que será “possível, nalguns casos, noutros não será”.
Estava previsto que Portugal construísse ou reabilitasse 26 mil habitações até junho de 2026, no âmbito do PRR, e Luísa Salgueiro admitiu que “só com um grande esforço por parte dos autarcas é que isso” seria possível.
No entanto, em meados de setembro, o nível de preocupação da autarca aumentou com o anúncio pelo Governo da duplicação da oferta pública de habitação de 26.000 para 59.000 casas até 2030, aguardando a presidente da ANMP que o Governo esclareça como é que este aumento se vai materializar, nomeadamente “qual o envolvimento dos municípios, qual o financiamento que estará associado a essa medida, se haverá recurso, em princípio, ao financiamento do Banco Europeu de Investimentos, de que forma é que os municípios podem agilizar os processos”.
Para cumprir os prazos do PRR na habitação foi permitido que os projetos dos municípios ficassem isentos do visto prévio do Tribunal de Contas, mas as Câmaras pretendem que este sistema agilizador possa também ser adotado na renovação e construção de escolas e de centros de saúde.
Um grande embate do novo Governo com os municípios foi no setor das águas: O Ministério do Ambiente anunciou que o valor da água consumida pelos munícipes, que nos últimos anos era estipulado pelos municípios, irá voltar a ser fixado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e prometeu para breve uma portaria com as condições deste novo modelo.
A ANMP repudiou a decisão, por “violar claramente a autonomia do poder local”, e defendeu que devem ser os municípios a fixar as tarifas dos serviços que são prestados no seu território, de forma que sejam ajustadas à realidade económica e social de cada concelho. Também a associação de Autarcas Social-Democratas contestou a proposta, assim como diversas câmaras, entre as quais Porto, Braga e Setúbal.
O anterior Governo socialista tinha assumido que a descentralização seria o primeiro passo para, finalmente, existir um processo de regionalização, que remeteu para depois de 2024.
No entanto, o cumprimento da regionalização ficou mais uma vez adiado, visto que não faz parte das prioridades da coligação PSD/CDS-PP. O processo nem sequer é referido no programa que o PSD levou a eleições.