Ainda hoje, Tiago não sabe responder porquê. Porquê ele e porque é que na madrugada de 24 de outubro não o deixaram sair do autocarro. Questionado pela jornalista, Tiago arrisca uma resposta: “é por ser branco? Porque os meus outros colegas do Bairro do Zambujal foram convidados a sair do autocarro. Eram de cor. Eu era branco”.
O motorista da Carris, Tiago, de 41 anos, foi alvo de um ataque, a 24 de outubro, durante os motins na Grande Lisboa – que aconteceram após a morte de Odair Moniz – teve uma arma apontada à cabeça e acabou por ser queimado, em conjunto com o autocarro, após a saída de todos os passageiros.
“Eu pedi para me deixarem sair. Eles não me deixaram”, conta Tiago, em entrevista à TVI, convicto de que se tratou de uma tentativa de homicídio. De acordo com o motorista, na altura do ataque, tentou fechar as portas, mas um dos atacantes entrou pela porta do meio: “Aponta a arma à cabeça e diz: tu não sais!”.
“Entretanto, começam a mandar cocktails tanto de fora para o vidro do autocarro, como da porta da entrada para o meu lugar, para cima de mim. Sinto logo que fica um cheiro de combustível em cima de mim e foi só um indivíduo fazer faísca no isqueiro. Conforme dá faísca eu começo a pegar fogo”, recorda com a voz tremula.
Tiago não sabe responder o motivo deste ataque. Questionado pela jornalista se teve a “consciência plena de que era uma tentativa de homicídio”, Tiago arrisca uma resposta: “Tive, porque eles não me deixaram sair. Eu pedi para me deixarem sair, mas não me deixaram sair. É por ser branco? Porque os meus outros colegas do Bairro do Zambujal foram convidados a sair do autocarro. Eram de cor. Eu era branco”. E o líder do CHEGA corrobora: “Na lógica distorcida da ‘esquerdalha’, o racismo só vem de brancos para negros. Mas no mundo real, o motorista foi queimado vivo por uma única razão: ser branco. A hipocrisia do ‘antirracismo’ em todo o seu esplendor”, escreveu nas redes sociais.
As marcas para a vida, tanto físicas como psicológicas, são notórias em Tiago. As mãos, sendo a única parte do corpo visível em toda a entrevista do canal televisivo, estão escamadas e escuras, a força interior, evidenciada na linguagem corporal e na voz, fragilizada.
“Estou à base de comprimidos para dormir porque cada vez que fecho os olhos, se não tiver os comprimidos, vejo o acidente. E vivo o acidente… sempre”. Por isso, o motorista da Rodoviária de Lisboa diz que a prisão dos suspeitos foi “um alívio”, mas as feridas poderão nunca sarar, não sendo capaz de perdoar. “Não. Espero que as pessoas que me atacaram sejam condenadas, presas e paguem uma indemnização”, garante.
“E o que é que revive?”, pergunta a jornalista. “Revivo eles não me deixarem sair do autocarro, revivo eles a mandarem literalmente os molotovs para cima de mim – e o fogo e a aflição”, lembra.
À TVI, o motorista contou que, durante a madrugada do ataque, as ruas estavam vazias e após conseguir sair do autocarro foi acudido “por uma senhora que saiu de um prédio” e que ficou 10 minutos à espera da ambulância — que nem conseguiu chegar ao local onde se tinha escondido e obrigou-o a andar cerca de 150 metros.
Tiago sofreu queimaduras graves na face, tórax e membros superiores, após o autocarro, que seguia sem passageiros, ter sido vandalizado, durante tumultos ocorridos na periferia de Lisboa na sequência da morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP, no Bairro da Cova da Moura, Amadora.
A vítima recordou processo de recuperação. O coma foi induzido e esteve vários dias nos cuidados intensivos, com dores que apenas a morfina apagava — acabou por perder 16 quilogramas. Apesar da situação, Tiago quer voltar ao trabalho.
Nas redes sociais, André Ventura não deixou de defender o motorista: “Pediram nas ruas justiça para o Odair. E para o Tiago? Foi atacado e queimado pelos vândalos que o sistema político protege”.