Revelada utilização de armas químicas pelo exército francês na Argélia

O exército francês utilizou gás tóxico em grande escala nas grutas que serviam de esconderijo aos combatentes nacionalistas argelinos durante a Guerra da Argélia (1956/62), revelação conhecida num documentário divulgado esta quarta-feira pela France Télévisions.

© D.R.

Um dos últimos tabus da guerra franco-argelina, a utilização de armas químicas no conflito está revelada no documentário de 52 minutos intitulado “Algérie, Sections Armes Spéciales” (“Argélia, Secções de Armas Especiais), da realizadora Claire Billet, que se baseou numa investigação de quase 10 anos do historiador Christophe Lafaye, utilizando material de arquivo e testemunhos de antigos soldados franceses e argelinos.

“Falou-se muito dos massacres, das violações, das torturas e das deslocações de populações na Argélia, mas nada sobre a utilização de armas químicas“, contou à agência noticiosa France-Presse (AFP) a realizadora, que contactou Lafaye em 2020, quando quis trabalhar sobre a memória da Guerra da Argélia.

“Parecia uma loucura, eu mal podia acreditar, como é que factos históricos tão importantes podiam ter sido varridos para debaixo do tapete?”, questionou Billet.

Em 1956, foi criada uma secção denominada “armas especiais“, cujos membros tinham a missão de desalojar os combatentes do Exército de Libertação Nacional (ELN) dos esconderijos nas montanhas. Segundo o historiador, a secção é o resultado de uma “verdadeira doutrina” testada durante vários meses antes de ser sistematizada.

A expressão “armas especiais” inclui gases venenosos, sobretudo o CN2D, um cocktail composto por um gás derivado do cianeto (CN) e outro do arsénico (DM), com efeitos irritantes para os pulmões, os olhos e as mucosas, provocando dores de cabeça e vómitos, gases que podem ser letais em espaços confinados, como em grutas.

“A gruta tinha de ser revistada, gaseada e, se possível, a entrada rebentada”, conta Jean Vidalenc, um ex-soldado de 80 anos, condecorado por ter atirado uma “granada de gás” e “posto 10 adversários fora de combate” em Tolga, nas montanhas de Aurès, em dezembro de 1959. “Há 60 anos que não adormeço sem pensar na guerra da Argélia”, diz, com voz trémula e olhos húmidos.

Armand Casanova, na altura com apenas 18 anos, foi apelidado de “rato” pela capacidade de se esgueirar por túneis estreitos. “Ainda sinto o cheiro do gás e também o cheiro da morte”, disse, adiantando que “um quarto de hora era suficiente” para morrer.

Christophe Lafaye identificou 440 operações francesas que envolveram a utilização de armas químicas na Argélia, sobretudo nas montanhas da Cabília e Aurés. “Mas houve muitas mais, e por toda a Argélia”, diz, estimando que houve entre 5.000 e 10.000 ações deste tipo de “ofensivas”.

O número de mortos desta “guerra das cavernas”, incluindo muitos civis, segundo testemunhas, continua a ser difícil de determinar, principalmente devido à inacessibilidade de uma grande parte dos arquivos franceses sobre o assunto.

“A França tornou-a um segredo de Estado e continua a ser um grande tabu“, afirma Lafaye, lembrando que a utilização é proibida pelo Protocolo de Genebra, de que Paris é signatária desde 1925, apesar de afirmar que não estava em guerra nessa altura.

Juntamente com outros historiadores e arquivistas, Lafaye apelou à abertura de todos os arquivos secretos da defesa em 2020, invocando uma disposição do Código do Património francês que suprime automaticamente o segredo da defesa ao fim de 50 anos, princípio reafirmado em 2021 pelo Conselho de Estado.

No entanto, em 2021, “o Ministério das Forças Armadas voltou a tornar o acesso aos seus arquivos mais complexo” ao criar, no âmbito de uma lei antiterrorista, “uma nova categoria de arquivos sem limite de tempo para divulgação”, diz o historiador.

Esta categoria inclui os arquivos relativos à “guerra das cavernas”, com o argumento de que “permitem conceber, utilizar ou localizar armas de destruição maciça, neste caso armas químicas, o que é totalmente absurdo”, indigna-se Lafaye.

O contexto atual de crise diplomática entre a França e a Argélia “não é favorável” à abertura deste tipo de arquivo, lamenta Billet, que defende uma abordagem apolítica, centrada na memória. “Não se trata de levar ninguém a julgamento nem de entrar em polémicas”, alegou.

Além de documentar a história, segundo Lafaye, o desafio é “poder encontrar os corpos dos argelinos desaparecidos, em primeiro lugar, mas potencialmente também dos soldados franceses”.

 

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