“Necessidade de Criminalização da Utilização Indevida de Aparelhos de Geolocalização”

O avanço tecnológico trouxe consigo uma “panóplia” de dispositivos inovadores, incluindo aparelhos geolocalizadores. Como referência genérica, constam os AirTags
da Apple lançados em 2021, projetados para auxiliar na localização de objetos
pessoais. No entanto, o potencial uso indevido destes dispositivos suscita
preocupações jurídicas, especialmente no que diz respeito à privacidade da
localização e segurança pessoal.
A ausência de regulamentação deste tipo de aparelhos, no contexto da legislação
portuguesa, deixa um vazio preocupante no quadro legal, especialmente considerando
a crescente preocupação com a privacidade individual. É imperativo reconhecer que,
agora mais do que nunca, a privacidade enquanto bem jurídico fundamental deve ser resguardada, adaptando-se a novas tecnologias que podem, inadvertidamente,
comprometer as liberdades fundamentais.
É crucial envolver a sociedade e a doutrina na discussão sobre esta temática, que
implica a segurança de todos nós, através de debates públicos e práticas de
consciencialização, que são componentes essenciais para moldar políticas que reflitam
os valores coletivos relacionados à privacidade.

A privacidade é um direito fundamental consagrado nos mais diversos instrumentos jurídicos, no entanto, no que diz respeito ao direito penal, a privacidade é um conceito relativamente novo. Em Portugal, a CRP, no seu artigo 26.o, assegura o direito à reserva da intimidade da vida privada, incluindo a proteção dos dados pessoais. Neste contexto, é fundamental analisar o quadro jurídico português relativo à privacidade, destacando as principais normas e os desafios enfrentados na era digital.

Os aparelhos de geolocalização, inicialmente projetados para localizar objetos, tornaram-se inadvertidamente ferramentas acessíveis e difíceis de detetar, usadas por aqueles que com intenções maliciosas, transformaram-nas em potenciais “armas preferidas” para perseguidores. Como é óbvio, apenas à pessoa caberá a auto- determinação da sua localização, e a ultima coisa que queremos, é viver num mundo em que a localização é monitorizada, sem o devido consentimento.
Genericamente, o conceito de bem jurídico é, de facto, de extrema relevância para o campo do estudo do direito penal. Existe, comummente, um desafio em conseguir acautelar o que é ou não um bem jurídico, e se, em determinada conduta, existe uma violação de um bem jurídico ou não. Não é de todo fácil caracterizar aquilo que é o bem jurídico, mas, apesar da divergência, há uma ideia comum de bem jurídico enquanto “Bem vital” ou, por outras palavras, um bem que tem que ser respeitado e acautelado, sob pena do direito transcender e violar os direitos humanos dos cidadãos. É factual que a doutrina em Portugal tem tentado acompanhar com rigor a evolução
da sociedade, refletindo sobre os novos desafios e bens jurídicos emergentes. No entanto, à medida que a própria sociedade vai evoluindo, a doutrina tem que ter a capacidade de adaptação ao novo mundo tecnológico, na medida em que o tipo de criminalidade evolui para um novo prisma e desafio. Através do progresso do próprio direito penal, o conceito de privacidade enquanto bem jurídico foi ficando mais extenso. De tal forma, teve que ser ampliado, tendo em conta as novas características do crime.
Não podemos basear-nos numa perspetiva restrita do conceito de privacidade para criminalizar uma conduta de extrema especificidade, como é o caso da localização indesejada. Devemos “ampliar” o termo e trabalhá-lo. Embora a privacidade seja um termo genérico, não pode ser enquadrado em todos os casos de forma análoga. Basta, para isso, distinguir os diferentes contextos de crime. A violação de domicílio ou perturbação da vida privada não é o mesmo que o agente saber, quando e para onde um sujeito vai ou deixa de ir, sem que este o tenha consentido.
Na era da inovação tecnológica e com o aparecimento dos dispositivos de geolocalização, que, embora promovam funcionalidades úteis, levantam questões cruciais sobre privacidade, a legislação ainda não oferece uma abordagem específica para lidar com estes dispositivos. Isto cria de modo óbvio uma considerável lacuna legal que merece atenção imediata, especialmente nos estados europeus, onde essa lacuna é mais notória.

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