“A guerra é a derradeira política de identidade que leva à consolidação defensiva e que retira às pessoas a possibilidade para exprimirem as suas reivindicações. As pessoas fecham-se aos efeitos da guerra e à forma como veem a realidade”, explicou esta especialista em política russa em declarações à Agência Lusa.
As presidenciais russas desta semana deverão ser uma mera formalidade para garantir um novo mandato para Vladimir Putin até 2030, num contexto de ausência, na prisão ou no estrangeiro, de opositores políticos e de órgãos de comunicação social independentes bloqueados.
No entanto, entre 15 e 17 de março, as eleições deverão ser acompanhadas de perto por aqueles que procuram obter informações sobre as manipulações políticas do Kremlin, bem como opiniões na sociedade russa, pouco mais de dois anos desde que Moscovo lançou a sua invasão em grande escala da Ucrânia.
Segundo a professora da universidade britânica King’s College, a guerra leva as pessoas a comportarem-se “como uma matilha atrás do líder”, especialmente no início.
Porém, à medida que a guerra avança, “as pessoas cansam-se, os corpos regressam a casa, a inflação económica entra em ação”.
“Se estas coisas acontecerem muito gradualmente, as pessoas adaptam-se. Mas inevitavelmente o nível de descontentamento começa a instalar-se”, antecipa.
Sharafutdinova referiu as mortes do mercenário Yevgeny Prigozhin e do opositor Alexei Navalny como eventos inesperados que refletem a incerteza e instabilidade na Rússia por causa da guerra.
“O número desses acontecimentos pode aumentar. Prigozhin aconteceu no verão passado, Navalny aconteceu agora. Qualquer um destes acontecimentos não é confortável para o Kremlin. De certa forma, a fragilidade e a instabilidade também estão a aumentar”, afirmou.
Sobre a vulnerabilidade económica, a académica russa considera que o regime de Vladimir Putin conseguiu desafiar as previsões mais pessimistas porque soube contornar as sanções dos países ocidentais.
Durante os últimos dois anos, salientou Sharafutdinova, Moscovo reforçou as relações com a China, Turquia, Índia e países árabes, o que lhe deu uma margem de manobra para o reajustamento das importações e exportações.
“Os grandes mercados russos são um território de expansão para a China. A Índia beneficia dos preços mais baixos da energia. Os países árabes beneficiam do facto de o capital financeiro russo fluir para o Dubai em vez de Londres”, explicou.
A posição destes países tem sido importante para a Rússia em termos económicos e geopolíticos, porém, a politóloga acredita que esta relação económica poderá ser afetada depois da guerra.
Muitos comentadores, bem como a oposição amplamente dispersa da Rússia, descrevem as eleições como um plebiscito sobre a guerra na Ucrânia que Putin lançou há dois anos.
Abbas Gallyamov, um analista político que foi redator dos discursos do Presidente russo, descreveu a votação como aquela em que “a escolha múltipla é substituída por uma simples dicotomia a favor ou contra Putin, num referendo sobre a questão da guerra”.
A oposição vê, pelo seu lado, a votação como uma oportunidade para demonstrar a escala do descontentamento. Pouco antes da sua morte inesperada e ainda por esclarecer, Navalny apelou aos eleitores para que fossem às urnas ao meio-dia de 17 de março e formassem longas filas.
“Putin vê estas eleições como um referendo sobre a aprovação das suas ações, sobre a aprovação da guerra”, disse Navalny num comunicado transmitido atrás das grades, pouco antes da sua morte. “Vamos quebrar os seus planos e garantir que em 17 de março ninguém esteja interessado no resultado falso, mas que toda a Rússia viu e entendeu: a vontade da maioria é que Putin saia”.
Na semana passada, a viúva do opositor, Yulia Navalnaya, apelou aos russos para contestarem Putin, propondo que votem em qualquer candidato menos nele, deixem um voto nulo ou escrevam Navalny em letras grandes.