Os Açores são a segunda região da Europa com a maior taxa de abandono escolar precoce (21,7%), um fenómeno que se mede contando os jovens entre os 18 e os 24 anos que deixaram de estudar antes de terminar o ensino secundário.
Mas este é o resultado de um conjunto de situações que começam muitos anos antes, salientou à Lusa o sociólogo Fernando Diogo, apontando o insucesso escolar e o absentismo como primeiros sinais de perigo.
Na Ribeira Grande, há inúmeros casos de abandono logo nos primeiros anos de escola, observou o presidente da autarquia, Alexandre Gaudêncio, em entrevista à Lusa.
À frente do concelho que “lidera as estatísticas pela negativa”, o autarca pediu um estudo que detetou um “fenómeno completamente novo” e preocupante: “Temos uma taxa de abandono e absentismo no 1.º ciclo de 16%, o que não é de todo comum”.
O fenómeno é mais visível nas vilas piscatórias de Rabo de Peixe e Porto Formoso, entre os alunos de famílias mais pobres, muitas a viver em bairros sociais construídos pela autarquia.
Na Escola Básica Integrada de Rabo de Peixe avançam-se explicações para um abandono tão elevado. O presidente do conselho executivo, André Melo, lembrou que o levantamento foi feito “num ano atípico”, no pós-pandemia, depois de os alunos terem estado fechados em casa.
Quando as escolas reabriram, os pais continuavam receosos “e o regresso às aulas foi muito gradual”, disse, assegurando que a situação melhorou e que os casos atuais se devem, essencialmente, à emigração.
Ali, as crianças começam a faltar no 5.º ano, mas o “grande problema é no 3.º ciclo”, quando “muitos alunos têm pouca motivação para vir para a escola”, reconheceu. Em Rabo de Peixe, ninguém estranha ver um aluno a deambular pelos corredores quando deveria estar na aula ou a anunciar que se quer ir embora antes do tempo.
A literatura aponta várias razões para não querer estar na escola, sublinhou Fernando Diogo, também professor da Universidade dos Açores e investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS).
Quando os jovens são diariamente confrontados com as suas dificuldades, tendem a querer desistir, explicou o professor. Nestes casos, a família pode fazer a diferença.
Pais com pouca escolaridade e dificuldades em ver a escola como um meio para uma vida melhor estão também muitas vezes associados ao abandono, acrescentou o investigador.
O “primeiro plano municipal de combate ao absentismo e abandono escolar”, apresentado no início deste ano letivo, prevê que sempre que “um aluno não aparece há algum tempo na escola deverá ser comunicado imediatamente ao município”, que envia para casa da criança um técnico de serviço social para tentar perceber o que se passa, explicou o autarca.
Alexandre Gaudêncio disse que estes técnicos já foram chamados pela escola de Rabo de Peixe: “Vivemos numa ilha que não é assim tão grande e num concelho em que conhecemos praticamente toda a gente”, afirmou, sublinhando que os técnicos conhecem praticamente todas as famílias e, “às vezes, basta uma chamada de atenção para resolver o problema”.
A taxa de abandono escolar precoce nos Açores (21,7%) é quase três vezes superior à media nacional (8%), segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. Uma diferença que o sociólogo Fernando Diogo disse que “ninguém consegue explicar” e por isso avançou com um projeto, que tem como hipóteses as características do tecido social dos Açores, onde há mais pobreza e menos escolaridade base da população.
Mais de um em cada quatro açorianos vivia em situação de pobreza em 2022 (26,1%), enquanto o valor a nível nacional era de 17%, recordou Fernando Diogo.
Se no continente, a maioria da população tem no mínimo o 9.º ano, nos Açores é exatamente ao contrário: A maioria deixou de estudar antes de chegar ao 7.º ano, relatou à Lusa a Secretária Regional de Educação, Sofia Ribeiro.
O Governo Regional dos Açores apresentou no mês passado a “Estratégia da Educação” que tem como objetivo reduzir a taxa de abandono escolar precoce de 21,7% para 15% até 2030 e aumentar a percentagem da população com pelo menos o 9.º ano.