A discussão da proposta de OE é sempre um tema que colhe a atenção generalizada da sociedade civil, pessoas singulares e coletivas – tal é o impacto que tem nas suas vidas.
Da análise transversal ao OE para 2026 apresentada pelo Ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, em outubro de 2025, conclui-se que as medidas governativas propostas se cingem a alterações legislativas assaz circunscritas e pontuais, remetendo as grandes opções de política fiscal, – tão necessárias para o harmonioso desenvolvimento económico e social do país, – para diplomas avulsos, cuja discussão ocorrerá em momentos desfasados deste. Perspetiva-se assim, para o ano vindouro, no hemiciclo da Assembleia da República, um ambiente de acesa discussão em torno de políticas estruturais da economia portuguesa que este orçamento não acolheu, sob pena da gestão executiva do Governo ficar limitada a uma política de gestão corrente.
Em matéria de política de benefícios fiscais, constata-se que as alterações preconizadas no OE, limitam-se a aspetos relacionados com exigências quanto ao incentivo à valorização salarial, – benefício já consagrado no EBF desde o OE para o ano de 2023, sendo esta a quarta alteração proposta. Com efeito, a única alteração prende-se com a taxa de referência, em sede de IRC, para o cumprimento dos dois requisitos de aumento da retribuição base anual que desce, de 4,7% para 4,6%. Ou seja, a proposta do Governo limita-se a uma variação de 0,001 pontos percentuais, quanto ao patamar de exigência de dois requisitos relacionados com o aumento da retribuição base anual, não tendo demonstrado o impacto desta imposição legislativa em termos financeiros ou de vantagem competitiva para a economia portuguesa.
Sem querer retirar o mérito a esta proposta em benefício das empresas portuguesas, tal constitui uma alteração muito redutora do protótipo de sistema fiscal desejável para Portugal, em termos de política de benefícios fiscais a vigorar para os anos vindouros.
O Estatuto dos Benefícios Fiscais foi instituído em 1989, como um diploma agregador de benefícios fiscais de carácter obrigatoriamente excecional existentes à data, e tem-se mantido desde então com alterações pontuais em função da política governativa vigente, resultando num emaranhado de benefícios cujo interesse público nem sempre tem sido reconhecido, traduzindo-se muitas vezes num acréscimo de despesa fiscal sem grande correspondência ou adesão a outros indicadores de crescimento económico e bem-estar social.
Efetivamente ao longo destes anos, têm sido introduzidos um conjunto extenso de benefícios fiscais no ordenamento jurídico português, que alteram sucessivamente a lógica original das bases de tributação do IRS e do IRC – muitas vezes como forma de atenuar ou diminuir a carga fiscal claramente excessiva para os contribuintes portugueses cumpridores. Acresce que este florescimento de benefícios fiscais tem sido direcionado para o cumprimento de objetivos pontuais, sem sustentação numa política de maior alcance com propósitos claramente definidos e metricamente mensuráveis, impõe custos de cumprimento efetivos aos agentes económicos e custos de fiscalização acrescidos para da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Várias têm sido as vozes que todos os anos se levantam a defender uma reforma integral dos benefícios fiscais existentes em Portugal nas várias áreas que abrangem, devendo esta reforma ser direcionada para objetivos específicos e devidamente quantificados quanto ao impacto económico e social, sob pena de conduzir a uma alocação ineficiente de recursos públicos. Daí a necessidade de os mesmos serem definidos de forma clara, concreta e de aplicação prática simplificada, sem induzir elevados custos de contexto aos agentes económicos, suscetíveis de desvirtuar o propósito para os quais foram criados. É de importância capital a criação de um clima de estabilidade legislativa na definição da política de benefícios fiscais, de forma a proporcionar aos contribuintes, um clima de certeza e maior segurança na tomada de decisão, que potencie o aumento da produtividade e do crescimento sustentado da riqueza nacionais.
Este orçamento que poderia ser um instrumento valioso para uma verdadeira reforma fiscal, tão aguardada pelo menos no que concerne à revisão da teia de benefícios fiscais existentes no ordenamento jurídico português, representa, tão somente, mais uma oportunidade perdida com vista à instituição de um sistema fiscal que se pretende universal e não discriminatório. Promover uma maior justiça e equidade social exigiria da parte ao atual Governo uma postura bem diferente da que tem adotado: uma maior negociação e concertação de entendimentos e posições nem sempre alinhados com os interesses governativos – algo que o Governo não está de todo interessado em fazer, pelo menos ao que parece.
No contexto do atual sistema fiscal português, de que a política de benefícios fiscais é apenas uma parte integrante, com as vicissitudes que o caracterizam, a convergência com os países mais desenvolvidos da UE será cada vez mais uma miragem, o que associado ao crescimento incessante da economia informal, coloca Portugal numa posição de retaguarda cuja inversão será, decerto, difícil de efetuar.