Guerra estreitou laços mas China e Rússia têm posturas globais opostas

A aproximação à Rússia é estrategicamente “benéfica” para a China, face à crescente volatilidade nas zonas costeiras do país asiático, segundo analistas chineses, que excluem uma aliança formal, face a visões “divergentes” do mundo.

© Facebook/Vladimir Putin

A China recusou condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia e criticou a imposição de sanções contra Moscovo. O país asiático tem prestado importante apoio político, diplomático e económico à Rússia. O comércio bilateral registou, em 2023, um crescimento homólogo de 26,3%, para 240 mil milhões de dólares (223 mil milhões de euros).

Em dezembro passado, o Presidente chinês, Xi Jinping, voltou a frisar que manter relações robustas com a Rússia é uma “escolha estratégica” da China, durante uma reunião com o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishoustin, em Pequim.

Zhao Huasheng, professor do Centro de Estudos Russos e da Ásia Central da Universidade de Fudan, em Xangai, justificou a opção política com a “crescente pressão estratégica” que a China está a sentir no Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China.

“Boas relações sino-russas podem garantir que a China tem uma retaguarda estratégica relativamente estável”, escreveu Zhao, num ensaio, notando que os “enormes benefícios” da relação parecem ser irrelevantes em tempos de paz, mas que seriam “muito importantes” no caso de conflito com o exterior.

As reivindicações territoriais sobre Taiwan e o Mar do Sul da China suscitaram tensões entre Pequim e quase todos os países vizinhos, desde o Japão às Filipinas. A crescente assertividade da China no Indo-Pacífico levou já à formação de parcerias regionais lideradas pelos Estados Unidos, incluindo o grupo Quad ou o pacto de segurança AUKUS.

Manter boas relações com Moscovo é assim vista pelos especialistas em política externa da China como forma de assegurar estabilidade na fronteira terrestre com a Rússia, que tem mais de 4.300 quilómetros de extensão, e fornecimento estável de energia.

Isto permite a Pequim concentrar recursos nas áreas costeiras e mares circundantes, onde os Estados Unidos mantêm várias bases militares em países aliados, concordaram analistas.

A China quer afirmar-se como a principal potência no leste da Ásia e diluir o domínio geoestratégico norte-americano na região. A reunificação de Taiwan, localizado entre o mar do Sul da China e o mar do Leste da China, no centro da chamada “primeira cadeia de ilhas”, é um objetivo primordial no projeto chinês.

“Se o continente [chinês] for um dia obrigado a reunificar [Taiwan] por meios militares, a China encontraria então um ambiente internacional extremamente difícil e complexo”, escreveu Zhao.

Pequim considera também a parceria com a Rússia fundamental para contrapor a ordem democrática liberal, liderada pelos Estados Unidos.

Os analistas chineses destacaram o papel da Rússia na internacionalização da moeda chinesa, o yuan, e na procura por uma alternativa credível aos sistemas de pagamentos transfronteiriços ocidentais.

“China e Rússia são ‘metade do céu’ para a segurança e o desenvolvimento uma da outra”, descreveu Wang Xiaoquan, especialista da Academia Chinesa de Ciências Sociais.

Os analistas consideraram, porém, que o conflito na Ucrânia é negativo para Pequim.

O economista Xu Mingqi observou, num artigo, que a guerra “dificultou a recuperação [pós-pandemia] da economia mundial; alimentou a tendência ideológica para a desglobalização e colocou em risco a governação económica global”.

A estabilidade global continua a ser “fundamental” para sustentar o desenvolvimento económico da China, realçou.

Os analistas reconhecem que a recusa de Pequim em distanciar-se do agressor é também prejudicial.

Yan Xuetong, um dos maiores especialistas em relações internacionais do país, reconheceu que a “recusa em condenar a Rússia prejudicou as relações da China com alguns dos seus vizinhos e distanciou Pequim de muitas nações em desenvolvimento”.

Zhou Bo, um conhecido antigo coronel do Exército chinês, lamentou o impacto que a guerra teve nas relações da China com a Europa.

Nos ensaios e discursos dos académicos chineses constam também críticas à Rússia pelas suas alegadas “tendências imperialistas” e “imprudência”.

Feng Yujun, diretor do Centro de Estudos Russos e da Ásia Central da Universidade de Fudan, sublinhou que “a lógica imperial subjacente tanto à rejeição da Ucrânia como entidade nacional como à pretensão manifesta de restaurar os territórios tradicionais [da Rússia] é alarmante”.

Esta postura reflete ressentimentos históricos face ao passado expansionista da Rússia no nordeste asiático. Em particular, a cedência da cidade de Vladivostoque à Rússia czarista, como parte dos “Tratados Desiguais”, que a China foi obrigada a assinar com as potências europeias no século XIX, é frequentemente lembrada com revolta no país asiático.

No pico da Guerra Fria, o rompimento sino – soviético e disputas fronteiriças estiveram também perto de resultar numa guerra entre as duas potências.

Apesar de os dois países se oporem à “hegemonia” norte-americana nas relações internacionais, os académicos chineses salientaram que a visão russa para uma nova ordem mundial difere muito da de Pequim.

Zhao Long, investigador no Instituto de Xangai para Estudos Internacionais, observou que “enquanto a China enfatiza a reforma cuidadosa e a melhoria da ordem mundial [atual], a Rússia almeja a sua completa desintegração”.

Huang Jing, outro académico, acrescentou que o desejo de Moscovo de confrontar e enfraquecer o Ocidente não está de acordo com os interesses de desenvolvimento da China.

Os analistas acreditam assim que uma aliança formal criaria riscos desnecessários para a relação, que continua a ser inerentemente frágil, e poderia exacerbar a bipolarização da política mundial, arrastando Pequim para conflitos que não são seus.

A China está melhor com um quadro de cooperação mais vago e mais maleável, concordaram.

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