“Ele [Luís Montenegro] realmente foi um grande líder parlamentar. E foi aí que nasceu a possibilidade de ele criar condições para fazer o caminho para poder vir a ser líder do PSD. Portanto, ele faz parte dessa herança e desse legado. Em que medida é que ele se quer desconectar mais desse seu próprio passado? Não sei. A mim parece-me que foi muito evidente nos últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar”, defende Passos Coelho.
Em entrevista ao ‘podcast’ “Eu estive lá”, da rádio Observador, o antigo presidente do PSD diz que “até certo ponto” entende essa preocupação do atual líder social-democrata e primeiro-ministro “porque é importante que os partidos possam ter uma perspetiva para futuro e não ficarem sempre só ligados ao seu passado”.
Na conversa com a jornalista Maria João Avillez, Passos recusa “andar a criar constrangimentos” a Montenegro com as suas intervenções públicas, mas sublinha: “Agora, também não posso ser impedido de, de quando em vez, poder dizer alguma coisa do que penso. E eu penso pela minha cabeça, evidentemente”.
Nesta entrevista, Passos Coelho revela que durante o seu governo com o CDS-PP a ‘troika’ (União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) “a partir de certa altura percebeu que havia um problema com o CDS” e “passou a exigir cartas assinadas por Paulo Portas”.
“Eu julgo que ele não sabe isto: para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, eu obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. A ´troika´’ exigia uma carta só dele. Porque não confiava nele”, conta.
Durante a sétima avaliação das instituições que tinham concedido o empréstimo a Portugal durante a crise das dívidas soberanas, Paulo Portas terá sido um obstáculo e, refere Passos, só a intervenção do então Presidente da República Cavaco Silva impediu o “desperdício de todos os sacrifícios dos portugueses”.
“Eu não conseguia que Paulo Portas aceitasse nenhuma versão. Nenhuma, nenhuma. Convoquei até um Conselho [de Ministros] extraordinário para explicar ao Governo que íamos falhar a avaliação porque Paulo Portas não aceitava aquela avaliação. O que se passaria a partir dai era uma incógnita. A ‘troika’ diria que se não queríamos fazer nada também não enviaria mais dinheiro. O que é que se seguiu? Não sei, para mim é um mistério. Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o Presidente da República”, revela.
Após a demissão de Portas do Governo em 2013, que Passos Coelho não aceitou, o líder do CDS-PP passou de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros a vice-primeiro-ministro e a relação entre ambos alterou-se, com sinais públicos de sintonia, culminando na campanha eleitoral para as eleições de 2015, que fizeram coligados e venceram, chegando a formar governo, que foi derrubado pela união de PS, PCP, BE e PEV.
Sobre Cavaco Silva, sinaliza que com ele teve “um relacionamento impecável”.
“E nos momentos difíceis tive o apoio dele. Isso foi importante para o país. Se tivesse falhado, o país teria falhado também”, contou o antigo primeiro-ministro na entrevista em que também revela ter tido a perceção antecipada de que o seu sucessor, António Costa, estava a preparar um acordo com o PCP para poder governar, uma convergência à esquerda que juntou também BE e PEV.