A escassos dias de se assinalar a metade do período de transição da administração de Macau para a China, no próximo dia 19 de dezembro, o antigo governador substituto do Governo de Macau (1986-1987) sublinhou em entrevista à Lusa que “há coisas que deveriam impedir” Pequim de tentar acelerar esse processo, “que é o que está assinado, os compromissos que estão assumidos” até dezembro de 2049.
“Durante os primeiros tempos, as coisas correram bem, ou seja, de acordo com aquilo que tinha sido assinado entre Portugal e a China. Para o fim deste período, as coisas começaram alterar-se um pouco e começou a ver-se uma certa vontade de acelerar o processo de – usando o termo chinês – ‘reunificação’ relativamente a Hong Kong – que já está praticamente [efetivado] -, Macau e depois Taiwan, que é o [mais] importante”, afirmou Monjardino.
Instado a situar no tempo o início dessa mudança, o presidente da Fundação Oriente, afirmou que “coincidiu um pouco com a entrada do atual Presidente chinês [Xi Jinping] para o poder”.
“Politicamente, entende-se que ele queira, no seu tempo, durante o seu mandato, fazer a reunificação – ou decidir e formalizar a reunificação – e, portanto, tem de dar uns passos”, começou por dizer.
“Só que há coisas que o impedem – ou deveriam impedir – de fazer, que é o que está assinado, os compromissos que estão assumidos”, afirmou. “No que diz respeito a Macau é 2049. Até 2049, ‘é um país e dois sistemas’ e funciona. Tem-se assistido, porventura, a uma aceleração desse processo nos últimos tempos”, afirmou Monjardino.
Esta aceleração, concedeu por outro lado, “sente-se menos em Macau do que se sentiu em Hong Kong”, eventualmente. “[Porque] nós [portugueses e macaenses] também não nos manifestámos como Hong Kong se manifestou” em 2019, em protestos pró-democracia, espoletados por uma proposta de lei de extradição para a China de suspeitos procurados.
“Nós temos sempre uma posição que é melhor aceite pela China do que a posição dos ingleses ou dos habitantes de Hong Kong. Sempre fomos uns ‘bons alunos’ no meio disto tudo, o que nos caracteriza, de resto, como país, como civilização”, afirmou.
“Os chineses reconheceram isso, têm isso em mente, depois têm uma ligação a nós muito diferente da que têm [aos ingleses] em relação a Hong Kong”, sugeriu ainda.
O facto, é que “as coisas correm melhor em Macau do que correram em Hong Kong, não há dúvida nenhuma”, rematou.
Numa apreciação do desempenho da arquitetura desenhada para a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) nos primeiros 25 anos do período de transição – em que portugueses e chineses se dispuseram a fazer do território uma plataforma de negócios e de encontro dos interesses económicos confluentes da China, de Portugal e dos países africanos de expressão lusófona, nomeadamente através da criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa – Monjardino considerou que “funcionou, mas, porventura, não funcionou até ao ponto onde deveria ter funcionado”.
Esse ponto, concretizou, é o de “um incremento grande de relações e estabelecimento de empresas desses países – mais de Portugal, mas também de Angola, Moçambique… – em Macau para comercializar com a China”. Isso “não aconteceu”, sublinhou.
“Da parte dos países de língua portuguesa, acho que havia essa intenção, mas depois [empresários e empresas lusófonos] têm que encontrar na mãe-pátria chinesa alguém – pessoas, entidades – que faça essa ligação com eles e não o conseguiram fazer, por incapacidade dos atores nessa peça de teatro”, considerou.
O fracasso até agora da ideia de fazer de Macau a porta de entrada das empresas portuguesas e lusófonas no enorme mercado da “Grande Baía”, que integra nove grandes cidades da província de Guangdong, Macau e Hong Kong, explica-se “claramente”, na opinião de Carlos Monjardino, na falta de “capacidade dos atores de negociar, de propor coisas, de aceitar determinado tipo de princípios…”.
“Não se chegaram à frente, não foram suficientemente perseverantes para poderem ‘levar essa carta a Garcia'”, afirmou.
Por outro lado, quando os chineses viram a oportunidade de investir em Portugal, assim como em outros países lusófonos, fizeram-no diretamente.
“Eles preferiram, claramente, vir aqui, negociar diretamente a [companhia de seguros] Fidelidade, a Luz Saúde, EDP, REN… Negociaram aqui, diretamente com o Governo [português] e não quiseram intermediários, ou seja, Macau, pelo meio”, ilustrou.