O advogado e professor universitário António Garcia Pereira apresentou uma queixa formal ao procurador-geral da República, Amadeu Guerra, pedindo que o Ministério Público ative os mecanismos legais que possam conduzir à extinção do partido CHEGA. A iniciativa, entregue esta quarta-feira e à qual o Expresso teve acesso, fundamenta-se no artigo 46.º da Constituição e na Lei dos Partidos Políticos, que proíbem a existência de organizações racistas ou de ideologia fascista.
Garcia Pereira sustenta que o partido fundado por André Ventura, em 2019, tem adotado um comportamento “sistemático e reiterado” que viola os limites constitucionais, nomeadamente através de declarações, campanhas e intervenções públicas que considera racistas e atentatórias da dignidade humana. O advogado invoca ainda a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, que atribui a este órgão competência para ordenar a extinção de partidos políticos, mediante requerimento do Ministério Público.
Entre os exemplos incluídos na queixa estão os cartazes da campanha presidencial de André Ventura, com frases como ‘Isto não é Bangladesh’ e ‘Os ciganos têm de cumprir a lei’, bem como a declaração recente do líder do CHEGA à SIC, onde afirmou que “Portugal precisa não de um, mas de três Salazares”.
Garcia Pereira acusa o partido de promover “a banalização dos insultos e do discurso de ódio”, inclusive no Parlamento, recordando as declarações proferidas em outubro de 2024, após a morte de Odair Moniz. Na altura, o líder parlamentar do CHEGA, Pedro Pinto, afirmou que “se a polícia atirasse a matar, o país estava em ordem”, comentário reforçado por André Ventura, que acrescentou: “se a polícia tiver de entrar a matar, tem de entrar a matar.”
O advogado critica também a insistência do CHEGA em associar o aumento da criminalidade a comunidades imigrantes — em particular cidadãos de origem indostânica, muçulmanos e ciganos —, classificando tais alegações como “infundadas” e recordando que o próprio diretor nacional da Polícia Judiciária já desmentiu publicamente essa correlação.
Na queixa, Garcia Pereira cita constitucionalistas como Bacelar Gouveia, Vital Moreira e Jorge Miranda, para recordar que “a democracia não é nem pode ser o regime do vale tudo”, sublinhando que o respeito pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da não discriminação constitui condição essencial para a sobrevivência do regime democrático.
O advogado manifesta “estranheza” pela ausência de ação do Ministério Público perante factos que, afirma, “são de conhecimento público”, lamentando que, “numa matéria desta gravidade, o MP ainda não tenha desencadeado qualquer diligência”.
Esta não é a primeira denúncia com esse objetivo
Em fevereiro de 2021, a ex-eurodeputada Ana Gomes, com o apoio da advogada Carmo Afonso, apresentou também uma queixa à Procuradoria-Geral da República pedindo a avaliação da eventual ilegalidade do CHEGA. Nessa exposição, eram apontadas publicações do partido e de André Ventura com mensagens consideradas racistas, incluindo apelos à deportação da então deputada Joacine Katar Moreira e do ativista Mamadou Ba.
Em dezembro de 2020, a Provedoria de Justiça já tinha recebido cerca de 300 queixas denunciando a índole racista do partido. Nenhum desses processos teve, até hoje, seguimento conhecido.
Ana Gomes afirmou à revista Visão que nunca obteve resposta formal da Procuradoria. “Dois anos depois, protestei pela falta de resposta, por carta e na SIC Notícias. O chefe de gabinete da PGR respondeu-me por e-mail a dizer que a situação estava a ser ponderada”, contou. A mensagem, recebida em fevereiro de 2023, continha apenas duas linhas. Desde então, nada mais aconteceu.
A ex-diplomata recorda ainda que, durante o processo de legalização do CHEGA, chegaram a ser recolhidos depoimentos sobre um alegado esquema de recolha de assinaturas pagas, muitas das quais se revelaram falsas. O caso deu origem a um inquérito-crime, mas André Ventura nunca foi chamado a depor.