O apagão que deixou Portugal e Espanha às escuras não foi um susto isolado. Foi um aviso. Um daqueles avisos que a realidade dá quando a política não quer ouvir. Os operadores da rede elétrica europeia dizem que os picos de tensão aparecem como pipocas numa frigideira e que o sistema, tal como está, não aguenta esta avalanche de produção solar intermitente.
E é aqui que entra a energia nuclear e a história de uma proposta que queria apenas uma coisa simples e sensata: estudar, com técnicos especializados, se a energia nuclear poderia ajudar a dar mais estabilidade ao sistema elétrico português. Não era prometer centrais, não era construir nada, não era acender um reator num cofre qualquer do Parlamento. Era estudar e avaliar. Apenas isso. O estudo teria sido feito com o Campus Tecnológico e Nuclear do Instituto Superior Técnico, que percebe disto melhor do que todos os partidos do Sistema juntos. Mas foi rejeitado pelos partidos do costume. Literalmente, recusaram estudo, recusaram conhecimento.
E isto é estranho, porque Portugal depende do estrangeiro para cerca de dois terços da energia primária que consome. Vivemos de importações e de meteorologia, num país onde a eletricidade sobe e desce ao sabor das nuvens. Num contexto destes, dizer “não queremos sequer estudar o nuclear” é como recusar levar o carro à inspeção porque pode ser que descubram um problema. A ignorância voluntária não é política energética, é uma fuga para a frente.
O mais dramático em tudo isto é que esta discussão não é de esquerda nem de direita. É do mais elementar bom senso. A rede elétrica precisa de fontes estáveis para manter a frequência, a inércia e o equilíbrio. As renováveis são incríveis, são o futuro, mas também são imprevisíveis. São maravilhosas quando há sol e vento e traiçoeiras quando não há. A energia nuclear, nos seus modelos modernos, é uma âncora: produz sempre, emite pouco carbono e ainda dá um reforço crucial à estabilidade da rede. Não querer avaliá-la é cortar metade do tabuleiro do jogo antes da partida sequer começar.
Enquanto isto, o número de picos de tensão e possíveis futuros “apagões” cresce como cresce a fatura da luz e que tanto pesa no bolso dos portugueses. A produção solar dispara, a rede entra em stress e os operadores perdem a conta aos alertas. É irónico: nunca tivemos tanta energia renovável e, ao mesmo tempo, nunca a rede esteve tão escura. E mesmo assim, os políticos continuam a fugir da conversa séria sobre a energia nuclear, como se fosse um fantasma político que convém manter fechado no sótão. Mas o tempo do Halloween já passou… ou pelo menos já deveria ter passado.
Se continuarmos neste caminho de cegueira energética, Portugal e a Europa vão esbarrar na loucura da “transição verde” ao mesmo tempo que tropeçam nos seus próprios “alertas vermelhos”. A proposta para estudar a viabilidade da utilização de energia nuclear em Portugal e que foi chumbada podia ter sido o primeiro passo para aproximar a política da ciência…, mas parece que os políticos são negacionistas da realidade do valor que a energia nuclear representa. Em vez disso, optaram por deixar a realidade bater à porta enquanto fingimos que não estamos em casa. Mas a rede elétrica não tem paciência para teatros políticos. E quando falha, falha mesmo e não pede desculpa. A fatura sobra para os portugueses… como sempre!