Numa entrevista à Lusa, em Lisboa, Cyntia de Paula ressalvou que o problema do arrendamento da casa é “algo transversal neste momento em Portugal e também em outros países”, ou seja, abrange qualquer pessoa, mas realçou que, para os imigrantes, e, nomeadamente os brasileiros, tem outra dimensão.
Desde logo, porque a comunidade imigrante brasileira no país é a maior, contando com cerca de 400 mil pessoas, segundo dados oficiais, e continua a haver muitas pessoas recentemente chegadas em situação de vulnerabilidade no trabalho, referiu.
Mas, defendeu, não é só os salários baixos e emprego precário da maioria dos imigrantes brasileiros que dificulta o processo de arrendamento de casa de modo legal, é também porque há ainda “muito preconceitos e estereótipos” da parte dos proprietários de imóveis em relação a esta comunidade e, nomeadamente, relativamente à mulher brasileira, pois “ainda existe muito essa ideia de que vão utilizar a casa para fins de trabalho sexual”.
“Isso ainda existe. Infelizmente não ficou nos anos 90 ou anos 2000, existe hoje ainda em Portugal”, disse, exemplificando com os relatos frequentes de pessoas a dizerem que o proprietário do imóvel recusa alugar a casa ao ouvir do outro lado da linha telefónica uma voz feminina com sotaque brasileiro.
“Claro, está difícil para todas as pessoas” arrendar casa em Portugal, mas a situação é bem pior para pessoas imigrantes, sobretudo de uma determinada nacionalidade, frisou.
Muitos dos proprietários pedem um número de cauções muito maior ou então respondem que a casa já está alugada quando ouvem uma voz de um brasileiro ou brasileira do outro lado da linha, referiu a presidente da Casa do Brasil.
“Não é só do Brasil, mas olhando aqui para o Brasil, que é do que estamos a falar hoje, é solicitado um número maior”, afirmou a presidente de uma das maiores instituições de apoio aos imigrantes brasileiros em Portugal, que já conta com 30 anos de existência.
“Nós já tivemos casos na Casa do Brasil de pessoas que tiveram que fazer um empréstimo bancário para pagar as rendas antecipadas, para que a pessoa conseguisse ter acesso a uma casa”, disse, referindo que num caso “eram pedidas 12 rendas antecipadas”.
Além disto, “as pessoas recém-chegadas, muitas vezes, ao tentarem ter acesso ao arrendamento, enfrentam dificuldades, porque ainda não têm o IRS”, frequentemente solicitado pelos senhorios, acrescentou.
Segundo Cyntia de Paulo, há também um aproveitamento das situações de vulnerabilidade dos imigrantes, fazendo-se arrendamentos sem contrato e em condições que não são dignas.
A maioria dos recém-chegados, disse, “vão para quartos, (…) porque as exigências acabam por ser menores”, havendo “situações de famílias inteiras que estão a viver em quartos” e “sem contratos, na maioria das vezes”.
“Muitas vezes, quando essas pessoas saem dos quartos, não recebem de volta a caução ou as rendas antecipadas, sofrendo até por vezes assédio por parte do senhorio nessa devolução”, como, por exemplo, ameaça de denúncia ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, disse.
Segundo a responsável da Casa do Brasil, o desconhecimento do imigrante relativamente aos seus direitos em Portugal também é “muitas vezes utilizado (…) para não fazer o contrato de arrendamento”.
É frequente os imigrantes chegarem à Casa do Brasil a pedir apoio para conseguirem um emprego melhor e com contrato, porque têm “uma dificuldade enorme para conseguir pagar a renda, que está muito alta”.
“E aqui despoleta nessas situações que nós temos assistido de pessoas que têm de viver na rua”, salientou.
Por outro lado, começam a aparecer pessoas que procuram a instituição a pedir informações sobre o regresso voluntário, “porque não conseguem pagar as habitações por conta dos baixos salários que têm”, observou.
Por tudo isto, admitiu a presidente da Casa do Brasil, “a solução que as pessoas muitas vezes encontram para um problema de acesso à habitação, é habitarem de forma coletiva” e, no seu entender, isto “tem que ser encarado como um problema a ser resolvido ao nível das políticas públicas”.
Essa situação, disse, também é aproveitada por “muitos senhorios” que alugam “vagas em apartamentos”, ou seja, camas em quartos, “a 350 euros, (…) para as pessoas migrantes dormirem quatro ou cinco dentro de um quarto”.
“Nós não temos muitos relatos de pessoas a viver nessa situação. Outras comunidades vivenciam mais, mas já nos chegam [casos]”, concluiu, acrescentando que os imigrantes também enfrentam dificuldades no acesso ao crédito para a compra de casa.