Dos “casos e casinhos” à operação judicial que levou à demissão do Governo

O Governo PS de maioria absoluta, empossado em março de 2022, caracterizou-se desde o início por uma acentuada instabilidade interna, com “casos e casinhos”, e caiu em novembro após uma investigação judicial que envolveu o próprio primeiro-ministro.

© Folha Nacional

Em janeiro deste ano, ao fim de apenas dez meses em funções, o terceiro executivo liderado por António Costa já tinha registado quatro remodelações, com 12 exonerações e a entrada de 14 novos governantes. Uma frequência de mudanças sem paralelo com o que se passara nos dois anteriores governos de maioria relativa do PS e que se deveu em grande parte a “casos e casinhos” relacionados com a conduta de ministros e secretários de Estado.

Para procurar estancar este tipo de casos, logo no início do ano, o Governo introduziu um mecanismo de verificação prévia de personalidades convidadas para ministros e secretários de Estado antes da nomeação pelo Presidente da República, sujeitando-as ao preenchimento de um questionário com informações sobre a sua situação penal, fiscal, patrimonial e eventuais conflitos de interesses.

Mas as situações complicadas continuaram e a mais grave ocorreu em maio passado, com a decisão de António Costa de manter João Galamba no Governo após incidentes no Ministério das Infraestruturas, abrindo então uma crise com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Primeiro por escrito e depois em comunicação ao país, em 04 de maio, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu uma “divergência de fundo” em relação à continuidade de Galamba no Governo, considerando que tinha custos para a autoridade do Estado, e prometeu estar “ainda mais atento e mais interveniente”.

Com este histórico de episódios, em 07 de novembro, pela primeira vez na história da democracia portuguesa, houve buscas na residência oficial do primeiro-ministro, concretamente na sala de trabalho do ex-chefe de gabinete Vítor Escária, no âmbito de uma investigação judicial sobre a instalação de um centro de dados em Sines e negócios de lítio e hidrogénio.

Horas depois, um comunicado da Procuradoria-Geral da República informou, no último parágrafo, que o primeiro-ministro, António Costa, era alvo de um inquérito autónomo instaurado no Supremo Tribunal de Justiça a partir dessa investigação.

Numa comunicação ao país, António Costa, declarou-se de “cabeça erguida” e “consciência tranquila”, mas defendeu que “a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e, menos ainda, com a suspeita da prática de qualquer ato criminal”.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aceitou de imediato o pedido de demissão do primeiro-ministro e, após ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado, anunciou em 09 de novembro que iria dissolver o parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas para 10 de março.

Já depois da demissão do primeiro-ministro soube-se que nas buscas realizadas ao gabinete de Vítor Escária foram encontrados mais de 75 mil euros em numerário, o que levou o líder do executivo, numa segunda comunicação ao país, em 10 de novembro, a afirmar que estava envergonhado e a pedir desculpa aos portugueses.

Com a decisão de António Costa de abandonar também a liderança do PS foram convocadas eleições diretas no partido ganhas por Pedro Nuno Santos, deputado e ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação, que teve como adversários o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e o dirigente socialista Daniel Adrião.

No plano económico e financeiro, os resultados contrastam com o ambiente de turbulência política que marcou o executivo. O Governo espera fechar o ano com um excedente orçamental de 0,8% – o maior na história da democracia portuguesa – e projeta uma dívida pública inferior a 100% do Produto Interno Bruto em 2024.

A inflação, que superou os 10% em outubro de 2022, foi de 1,5% em novembro, num ano em que o executivo adotou a medida do IVA zero para produtos alimentares considerados essenciais, tendo em vista proteger as camadas sociais com menores rendimentos dos efeitos do aumento do custo de vida.

Com o emprego em níveis máximos – a população empregada superou os cinco milhões -, o Governo vai aumentar em 2024 os pensionistas entre 5,5% e os 6%, e os trabalhadores da administração pública entre 3% e 6,8%, tendo aprovado uma proposta de Orçamento do Estado em que o IRS baixará globalmente em 1300 milhões de euros no próximo ano, com especial incidência nos contribuintes até ao quinto escalão.

Ao longo do ano, o Governo continuou a ser contestado pelos professores por não aceitar a recuperação total do tempo de serviço antes congelado – uma luta sindical que se arrasta desde 2019 – e enfrentou várias crises nos serviços de urgência hospitalares. Em novembro, já depois da demissão do primeiro-ministro, o executivo chegou a um acordo intercalar salarial com um dos dois maiores sindicatos médicos, o SIM.

Este ano foi também ainda marcado pelo agravamento da crise na habitação, fenómeno que tem atacado especialmente os mais jovens.

O Governo aprovou um pacote de medidas que foi alvo de veto pelo Presidente da República e criticado pela oposição à sua direita e esquerda por motivos diametralmente opostos. Perante o veto presidencial, ao contrário do que sucedeu quando as relações institucionais entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa eram caracterizadas como boas, a opção da maioria absoluta do PS no parlamento foi seguir em frente, confirmando esse conjunto de diplomas sem alterações.

Últimas de Política Nacional

O partido CHEGA vai realizar uma manifestação “contra o travão à Lei de Estrangeiros” no próximo dia 6 de setembro, pelas 15h00, com início no Centro de Congressos de Lisboa e término no Palácio de Belém. A iniciativa tinha sido inicialmente marcada para 24 de agosto, mas foi adiada em solidariedade com as vítimas dos incêndios que devastaram o país.
O CHEGA afirmou hoje que o Governo pretende adiar para outubro a aprovação final da revisão da lei da nacionalidade, dando prioridade ao processo para sanar as inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional na lei de estrangeiros.
A Câmara Municipal da Amadora, presidida pelo socialista Vítor Ferreira, adjudicou, por ajuste direto, uma obra de cimento de oito toneladas para celebrar Mário Soares ao artista urbano Alexandre Farto, conhecido como Vhils, pelo valor de 246 mil euros. A obra terá 2,5 metros de altura e cinco de comprimento, e será instalada na Praça da Liberdade, segundo revelou o jornal PÁGINA UM.
O Governo começa hoje a receber os partidos com assento parlamentar para discutir o Orçamento do Estado para 2026, o conflito no Médio Oriente, a lei da nacionalidade e dos estrangeiros e a criação de novas freguesias.
O CHEGA propõe aumentar as penas para quem for condenado por atear fogos florestais, prevendo a possibilidade de aplicação da pena máxima prevista no sistema português e a sua equiparação a terrorista.
A Câmara da Lousã aprovou hoje uma proposta de isenção de faturas de água para os cidadãos, empresas e coletividades com consumos extraordinários face ao combate ao incêndio que afetou aquele concelho.
O CHEGA vai questionar o primeiro-ministro e a Entidade para a Transparência, através do parlamento, sobre a oposição de Luís Montenegro ao acesso público de informação sobre imóveis que declarou, anunciou hoje o líder.
O líder do partido CHEGA, André Ventura, disse ontem que quer um Orçamento do Estado para 2026 que “reflita uma mudança de espírito de política de habitação” e propôs algumas medidas.
Vários partidos do sistema, nomeadamente o PS e o VOLT, estão empenhados em tentar impedir a presença do CHEGA nas próximas eleições autárquicas.
O Chega quer proibir a exploração económica das áreas ardidas durante 10 anos e a venda de madeira queimada, aumentar as penas para os incendiários e a criação de um fundo de apoio às famílias dos bombeiros.