O Tribunal da Relação de Coimbra, num acórdão publicado no final de maio, julgou improcedente o recurso do Ministério Público que defendia a realização de uma perícia psiquiátrica ao treinador de natação, como condição para avaliar o pedido de cancelamento provisório do registo criminal do mesmo, que estaria em vigor por um prazo de cerca de 20 anos.
A segunda instância seguiu a decisão do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra que optou pelo cancelamento provisório do registo criminal, em janeiro de 2024, sem exigir qualquer perícia, ao contrário do que era defendido pelo Ministério Público.
Segundo o acórdão da Relação de Coimbra consultado pela agência Lusa, o homem pediu o cancelamento provisório do registo criminal da condenação por importunação sexual com o objetivo de voltar a “exercer a atividade de treinador de natação de atletas entre os 14 e os 20 anos de idade”.
A condenação está relacionada com uma situação ocorrida na noite de passagem de ano de 2018 para 2019, no estágio de natação de um clube onde treinava.
Nessa noite de passagem de ano, o treinador, alcoolizado, tirou o telemóvel de uma atleta e saiu do quarto do hotel desta, passando a enviar mensagens para outra atleta de alta competição, de 19 anos, fazendo-se passar pela amiga, formulando propostas de teor sexual.
Entre as 00:20 e as 06:53, o homem enviou diversas mensagens de teor sexual à atleta, pedindo fotos e vídeos.
Fazendo-se sempre passar pela amiga, escrevia que esta estaria a ter relações sexuais com um homem, prometendo também enviar fotos.
Para além de mensagens escritas, o treinador de natação chegou a enviar para a vítima uma fotografia onde era visível um pénis.
O arguido foi condenado com uma pena de multa de 840 euros pela prática de um crime de importunação sexual.
Face ao pedido de cancelamento do registo criminal, o Ministério Público (MP) defendia que, para tal acontecer, o arguido deveria ser sujeito a perícia psiquiátrica, para que se demonstrasse que haveria “diminuto perigo para a segurança e bem-estar de menores, que poderia decorrer do exercício da profissão”.
O MP criticava ainda o facto de o Tribunal de Execução de Penas tomar a medida sem ter por base qualquer relatório médico.
O pouco tempo decorrido entre a condenação e o pedido de cancelamento do registo criminal também não permitia ao tribunal depreender, “sem mais, pela ausência de uma disfunção de personalidade ou propensão para comportamentos sexuais desviantes” do treinador, argumentou o MP.
Já a Relação salientou que a multa já paga foi declarada extinta e que a matéria de facto dada como provada aponta para aquela condenação como algo “pontual” ou isolado, salientando ainda que o treinador se encontra integrado socialmente.
O acórdão considera ainda que nem todos os crimes contra a liberdade sexual têm o mesmo nível de gravidade, realçando que a prática de um crime de importunação sexual não pode, por si, pressupor “um qualquer perigo para a segurança e bem-estar de menores”.
O tribunal de segunda instância sustenta ainda a decisão, com o facto de as penas terem também em vista “a ressocialização”.
Nesse sentido, o registo criminal “não deve e não pode promover a estigmatização do condenado e não deve ser meio de evitar a sua socialização, contrariando a finalidade de penas”, argumenta a Relação de Coimbra, que julga improcedente o recurso do MP, que também avançou com o caso para o Tribunal Constitucional.