A vida e obra de Mário Soares foi celebrada ao longo do mês de dezembro. Que outro país da Europa organiza festividades e comemorações em honra de políticos ignominiosos? Estados totalitários. Eu critiquei-o numa publicação no Facebook, antes de Alfredo Barroso, seu sobrinho e chefe da casa civil durante a sua presidência, escreveu: “Não tenho intenção de responder a um provocador com argumentos dignos da PIDE DGS” (guardei também o screenshot). Rio-me desta ameaça vitriólica e infantil de tortura contra mim. Mas este comportamento não é exclusivo dele, pois muitos esquerdistas carecem de coragem para enfrentar a verdade. Lembrar Soares é estar consciente de todo o mal que ele causou a Portugal e, em menor grau, ao mundo.
Fomos os primeiros a chegar a África. Mário Soares e os seus aliados garantiram que fôssemos os últimos a sair, de uma forma desastrosa, uma vitória para a conspiração comunista. Ele afastou qualquer responsabilidade pelos traumas da descolonização, proclamando a dissolução do império “como inevitável, dado o condicionalismo anterior… que pertence igualmente ao passado” (Intervenções, vol. 6, 1992, pp. 31-32).
A perfídia da Revolução de 1974 deu início a uma tragédia nacional sem precedentes, da qual ele foi o principal vencedor, instituindo um sistema político onde a esquerda partilha os despojos da riqueza (roubada), enquanto a pobreza se torna endémica. Nunca houve um político mais ávido por poder e protagonismo do que ele nos últimos 50 anos. Claro que não há lealdade nem honra entre ladrões ou esquerdistas – são sinónimos, com alianças sempre a mudar, como Orwell nos advertiu.
Socialista desde os 17 anos, Soares foi originalmente membro do Partido Comunista Português, tendo sido ensinado sob a tutela de um jovem Álvaro Cunhal no colégio do seu pai. Estudou a literatura marxista, apesar de entender muito pouco de O Capital – e de economia em geral. Admirador de Afonso Costa e da primeira república – um regime caracterizado pela perda de liberdades individuais e pela ostracização religiosa dos católicos – Soares seguiu os seus passos, adotando o credo jacobino de liberdade, igualdade e fraternidade. Portugal hoje é uma democracia de massas com tendências estatistas, que relativiza a cultura e promove a erradicação da população nativa através da migração. Para os progressistas torna-se imperativo matar o passado para erguer a nova sociedade utópica.
Distanciado do Partido Comunista em 1949, Mário Soares defendeu sempre uma aliança com outros partidos de esquerda, desde os Social-Democratas até o Bloco de Esquerda, mesmo em 2014. Aqueles que acusam Pedro Nuno Santos ou até António Costa – um produto do colonialismo que Soares “exemplarmente” desmontou – de extremistas alinhados com os comunistas, fariam bem em recordar o programa do Partido Socialista de nacionalização da economia em 1973. Sempre foi um partido perigoso e tirânico, cuja ameaça é subestimada até pela Direita. Aqueles da Iniciativa Liberal que citam Soares como um moderado pelo papel desempenhado no 25 de Novembro, ignoram a sua proximidade de líderes totalitários, recebendo charutos cubanos de Fidel Castro, a quem ele descreveu na qualidade de “uma figura histórica, que respeito”, num discurso de 1994 em Cartagena das Índias
Sempre mais à esquerda do que os sociais-democratas alemães que o financiaram ou o Partido Trabalhista Britânico, essencialmente chamando Tony Blair de traidor da causa – como homem com amigos internacionais, ninguém lhe contaram que foi Blair quem introduziu o salário mínimo na Grã-Bretanha? – sempre reivindicou a causa do socialismo, recusando até ser rotulado como social-democrata, historicamente reformista. Foi por estas razões que Sá Carneiro recusou juntar-se ao Partido Socialista e fundou o PPD.
Eu até me atreveria a proclamá-lo como nacional-socialista (ele próprio admitiu isso numa entrevista contida numa obra intitulada Mário Soares na Construção da Democracia, 2014) que reuniu a burguesia e o mundo agrícola para combater o Partido Comunista, embora Soares nunca os tenha referido como de extrema-esquerda. Após o 25 de novembro, em prol de uma democracia portuguesa renascente, ele falou a favor dos comunistas para fazerem frente aos ultramontanos, permanecendo, no entanto, em silêncio sobre o Partido Liberal e o Partido do Progresso, partidos proibidos após o 28 de setembro.
Uma vez no governo, a vida para o povo português só piorou. Nesse ponto, a educação sexual foi ensinada nas escolas contra a oposição dos pais, a pornografia foi legalizada e a degeneração proliferou. Durante o seu segundo mandato como chefe de governo, (1983- 1985), a inflação atingiu os 24% e numa sondagem publicada no Diário de Notícias (29-4-1984), somente 8,5% dos portugueses inquiridos acreditavam que a situação económica tinha melhorado, contra 70,8%. Simultaneamente, 67,1% responderam que o nível de vida tinha também piorado. Aumentava a violência e a criminalidade, valores familiares foram sendo destruídos, tudo sob a sua governança ou complacência com outras forças de esquerda.
Em 1976, o seu governo apresentou um plano com duração de 15 anos. Nem os soviéticos ousaram tal coisa! Friantarticus-Frigoríficos de Cascais e outras empresas da pesca foram nacionalizadas e até foi aventada a criação de supermercados nacionalizados e novas empresas públicas. Na seção relativa ao Modelo de Desenvolvimento “a regulação da economia realizada através do planeamento, sem, no entanto, rejeitar a existência do ‘mercado’ com funções de orientação das decisões económicas, subordinadas, no entanto, aos grandes objetivos políticos democraticamente definidos” e “socialização dos principais meios de produção” (artigo 80 da Constituição da República), visando o pleno emprego e controlo de preços numa escala mais ampla e autoritária nunca praticada por Salazar. A situação financeira já desesperante herdada do PREC, ironicamente, salvou Portugal de uma possível ditadura do Partido Socialista.
Crítico do neoliberalismo, exceto quando dele se beneficiava para financiar um estilo de vida opulento à custa dos pobres contribuintes que nunca tiveram o ensejo de viajar. Soares denunciou o capitalismo como “uma economia de casino” porque, segundo ele, o jogo financeiro e a especulação determinavam o mercado e a aplicação dos capitais, um sentimento partilhado com Cunhal (Cinco Conversas com Álvaro Cunhal, 1999, p. 80,). Ao chegar ao fim do seu segundo mandato presidencial, reprovou “o economicismo egoísta” e “fenómenos repetidos de corrupção”, sem falar no caso Emaudio, envolvendo alegações de tráfico de influências e financiamento ilegal da sua campanha nas eleições presidenciais de 1991.
Não só era egocêntrico, com uma sede de poder, como também era um mentiroso flagrante. O seu principal livro, Portugal Amordaçado – eu tenho a primeira edição – espalhou várias mentiras, como a ideia de que o Estado Novo se alinhava com as potências do Eixo. Salazar tinha muitos defeitos, mas um deles não era a cooperação racial com os nazis, na verdade, a Península Ibérica tornou-se um refúgio para judeus e outros fugindo de morte. O meu avô materno recorda na sua juventude ter interagido com europeus oriundos do leste a atravessar Trás-os-Montes a caminho de Lisboa. Soares também afirmou que Portugal não recebeu ajuda monetária do Plano Marshall. Não estou aqui para discutir as desvantagens do plano (todos os planos governamentais são estúpidos), mas Portugal recebeu assistência para obter bens e serviços, investir em infraestruturas como ferrovias e as reservas cambiais do país não foram esgotadas – o que teria tornado as importações mais caras.
Ele delineou uma visão totalitária que irei citar: “Relativamente à situação de Portugal, creio que o país só pode resolver os seus problemas básicos pelo recurso ao socialismo. A miséria do povo, a ignorância, a fome, a doença, a insegurança – que são os flagelos que ao longo dos tempos o têm diminuído – só podem resolver-se pela planificação socialista da economia e pelo aproveitamento racional dos recursos do país, ao serviço da coletividade. Não é uma tarefa fácil… é preciso que o povo português tome nas mãos o seu destino – e que seja ele a inventar e construir o seu futuro: nos campos e nas fábricas, nos sindicatos e nas regiões, participando no aparelho de Estado (e controlando-o a todos os níveis), dirigindo os municípios, entrando na universidade” (Portugal Amordaçado, 1974, pp. 725-726).
A dialética entre liberdade e tirania está sempre presente, algo que o Hegel ensinou ao igualitário aspirante que cada conceito tem um oposto, gerando um terceiro conceito dessa colisão: a arte de exprimir estupidez com confiança. Paz através da força ou o lema do Soares, socialismo em liberdade. E eu suspeito que ninguém tenha acabado de ler esta obra ou entenderam com profundidade o seu conteúdo. Este livro é do mesmo autor que Marcelo Rebelo de Sousa elogiou como “o colosso da democracia portuguesa”. Ora, o presidente é um tolo ou tão mau quanto o seu camarada ideológico.
Os seus últimos anos revelaram um comportamento perturbante. Defendendo a extinção da NATO, foi um chauvinista russo discreto. Foi ele quem estabeleceu relações com a União Soviética dois meses depois do golpe de cravos e, em 2008, em resposta à guerra na Ossétia do Sul, escreveu: “Encorajado pelos americanos – e uma vez mais pela NATO –, o insensato presidente da Geórgia (Mikheil Saakashvili) resolveu intervir militarmente na Ossétia, provocando mortes e estragos. Foi uma provocação à Rússia” (Mundo em Mudança, 2008, p. 79). Omitiu a limpeza étnica na região de Tskhinvali pelas forças russas, que ele nunca condenou, nem a difamação Russa contra Saakashvili ao compará-lo com Hitler (Saakashvili, na realidade, tinha reduzido o poderio do estado). Como presidente, em 1987, foi também o primeiro estadista ocidental a visitar a Estónia, um país ocupado à força pela União Soviética desde 1940, diplomaticamente não reconhecido nem pelos Estados Unidos nem pela NATO.
Manifestou igualmente um traço antissemita, insinuando que grupos de interesse judeus na América eram responsáveis pela falta de resolução do conflito na Palestina (Português e Europeu, 2001, p. 268), algo típico dos marxistas que acusam os judeus de controlarem o mundo com os recursos financeiros que dispõem, o mesmo mito que levou Hitler a persegui-los. Já agora, o fundador do PS chegou mesmo a comparar Israel com os nazis – crédulo a noção que haja bons socialistas políticos. Foi o escritor espanhol de esquerda, António Machado (segundo Soares, um grande poeta republicano), quem escreveu: “O marxismo, senhor, é uma interpretação judaica da história. Contudo, o marxismo pendurará os banqueiros e perseguirá os judeus” (Obras Completas, 1940, p. 702).
A nossa entrada na União Europeia, em grande parte graças a ele, tem sido igualmente desastrosa. Os subsídios que começaram a chover a partir de 1986 (na ordem dos 9 milhões de euros a cada 24 horas), desmotiva a produtividade e recompensa a corrupção. Enquanto o dinheiro flui de Bruxelas, os políticos têm pouco incentivo para melhorar a sua ética de trabalho.
100 anos de Mário Soares e o que é que ele contribuiu para Portugal que valha a pena celebrar? Nada. Lembrar? Tudo. Recordar, analisar o passado e expor as duras verdades irrita o charlatão moderno, promovendo uma visão romântica do socialismo para as novas gerações. O que escrevi irá irritar a esquerda, mas por que razão deveria eu preocupar-me? Eles irritam-me e privam milhões mais a cada dia. Têm sorte de estar a ler apenas a minha perspectiva abreviada sobre o homem. Por todas as razões que expus acima, devo qualificar Mário Soares como um dos piores líderes políticos da história de Portugal, emparelhado com Afonso Costa, Marquês de Pombal e Dom Sebastião.