Qual o limite?

Se não chegam 10, por que não 12? E se não chegam 12, por que não 20? E Por que não 39 ou 40? Qual é o limite?

Depois de, em 2007, Portugal ter referendado a prática do aborto, passando a abrir-lhe as portas em meio hospitalar, seguro, protegido e grande consumidor dos recursos do SNS, eis que, outra vez a Esquerda, unida naquela que já é a sua tão conhecida luta para privilegiar o culto da morte, se une para alargar o limite legal para o infanticídio intra-uterino. Não pediam muito, apenas mais 4 semanas…no mínimo 2, além das 10 já previstas na Lei.

Em 2007, os portugueses aceitaram tirar as mulheres que carregavam filhos indesejados, das mãos de parteiras curiosas e mal preparadas, as chamadas “parteiras de vão de escada”. Estas “profissionais” mal preparadas, não tinham qualquer pudor em colocar a vida destas mulheres em risco, em troca de quantias que muitas tinham dificuldade em pagar. Claro que eram, sobretudo, as mulheres mais pobres que recorriam aos seus serviços, já que, as boas clínicas obstétricas privadas em Espanha estiveram sempre ao serviço das mulheres das classes sociais privilegiadas. Ainda estão. Nesta espécie de “mercado negro” de fetos esquartejados, as “parteiras de vão de escada” geriam habilmente o rentável negócio do aborto clandestino em Portugal. Em 2007, os portugueses entenderam que o aborto ia muito além de questões morais e éticas e que, o risco de lesões permanentes e irreversíveis, podendo causar infertilidade no futuro, e até mesmo a morte das mulheres que, por razões várias se recusavam a ser mães, era também uma questão de saúde pública.
Posto isto, foi necessário encontrar um prazo legal para por fim à gravidez e, por eufemismo, chamaram ao acto de matar um ser indefeso em desenvolvimento, de IVG, Interrupção Voluntária da Gravidez. O prazo, esse, fixou-se nas 10 semanas. Quanto ao nome, na melhor das hipóteses é só um erro de semântica, porque na pior, é uma sátira ao acto de, seja qual for a técnica utilizada, acabar com uma vida humana. É que, não há neste processo qualquer Interrupção, já que a interrupção de algo, pressupõe que o mesmo seja retomado, exactamente no ponto em que se interrompeu, em algum momento. Estamos, portanto, a falar de outra coisa e a IVG é coisa que, simplesmente, não existe.

Portanto, a recente proposta de alargamento do prazo para a prática do aborto em Portugal reacendeu um debate que, já pensávamos esquecido. É que o “SIM” ao aborto, em 2007, longe de ter sido uma aceitação e conivência total, foi apenas uma “colher de chá”, para minimizar os danos de uma actividade que, clandestina em todos os sentidos, também figurava uma actividade economicamente rentável que passava completamente ao lado dos cofres do Estado.

Felizmente, não é só a Esquerda que sabe unir-se. A Direita também sabe fazê-lo e fê-lo bem tendo chumbado mais uma proposta que serviu para expôr as profundas divisões ideológicas que ainda persistem na sociedade portuguesa, em particular, sobre este tema tão sensível.

Os Argumentos da Esquerda

Para os proponentes, mais 2 a 4 semanas fariam toda a diferença para milhares de mulheres que se vêem forçadas a viajar para o estrangeiro ou a prosseguir com gravidezes indesejadas. Aparentemente, para a Esquerda, não bastam 10 semanas para a decorrência de todo o processo até ao acto derradeiro.

Para os opositores, acrescentar mais 4, ou mesmo, mais 2 semanas, representaria ultrapassar uma linha vermelha que, uma vez ultrapassada, legitimará o cruzamento de muitas outras linhas vermelhas. Ora, a pergunta que importa fazer quando se vislumbra uma linha vermelha no horizonte é esta: Qual é o limite? Sim, qual é o limite de linhas vermelhas que podem ser cruzadas? Se 10 semanas não são suficientes, sê-lo-ão 12, sê-lo-ão 14? E se não chegam 14, por que não 20? E por que não 39 ou 40? Qual é o limite? Se não é a concepção, nem o embrião, nem o feto, será o bebé? Será a criança? Será o adolescente? O adulto, o idoso? O Ser Humano ainda é o limite?

Este debate parlamentar que expôs as profundas divisões que persistem na sociedade portuguesa sobre o tema do aborto, reflecte também uma tendência alargada à política contemporânea, onde o consenso em temas sensíveis parece cada vez mais difícil de alcançar.

Se de um lado, partidos como PS, BE, PCP e Livre defenderam o alargamento do prazo, o fim do período de reflexão obrigatório e uma regulamentação mais rigorosa da objeção de consciência dos médicos, do outro, PSD, CDS-PP e Chega formaram a barreira do bom senso, um muro de civilidade que importa resgatar em toda a linha. Estes partidos da Direita Portuguesa votaram em bloco contra qualquer alteração à lei vigente. Já basta o que basta. Se não é possível um mundo ideal em que o aborto seja uma prática totalmente descartada, pelo menos que nunca deixe de ser vista como a última das opções.

Se a pretensa harmonização com as recomendações da Organização Mundial de Saúde e a desejável redução das dificuldades no acesso ao acompanhamento clínico para a prática do aborto, tem que ser paga com o desumano e arrogante acto de assumir que o corpo que gesta no útero é parte do corpo da mulher e que a esse corpo ela faz o que bem entender e quando entender, então estaremos a ignorar todas as linhas vermelhas, as visíveis e as invisíveis que se interpõem entre nós e a dignidade que julgamos merecer.

Se há um problema no acesso célere à intervenção química ou cirúrgica que determina o fim de uma gravidez, então o problema deve ser resolvido, mas não à custa de bebés já completamente formados que estão apenas a crescer no interior do corpo das suas mães. Se os serviços têm que se adequar à rapidez da resposta, pois que se adequem, não que se alarguem os prazos. Se aceitarmos, com a previsível degenerescência do Serviço Nacional de Saúde, baixo número de profissionais em oposição ao alto número de processos, estaremos dispostos a alargar o prazo até quando? Outra vez a pergunta, qual é o limite?

Por outro lado, esta tentativa de alterar por decreto o que foi decidido em referendo ameaça a confiança dos cidadãos no processo democrático. Fica-nos deste “assalto” da Esquerda um amargo de boca que é difícil de ignorar. A sensação que se abate hoje sobre milhões de portugueses é a de que, no Parlamento, há quem esteja disposto a desvalorizar o voto popular e, consequentemente, a desincentivar a participação cívica em futuros referendos. Estamos também a falar nos princípios básicos da Democracia e, também aqui há linhas vermelhas…e há limites.

 

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