Há pouco mais de uma semana, o Partido para a Liberdade (PVV), de Geert Wilders, foi o vencedor das eleições legislativas nos Países Baixos, mas até hoje não se perspetiva a validação de um Governo chefiado pelo líder da direita radical neerlandesa.
“O início do processo para explorar potenciais coligações tem sido completamente caótico, um dos negociadores [para essas coligações] indicados por Wilders demitiu-se pouco dias depois por causa de um escândalo de fraude”, sustentou à Lusa Elizabeth Kuiper, diretora do European Policy Centre (EPC).
O apoio dos partidos convencionais “não é garantido”, acrescentou a analista, apontando que “parece claro que Wilders não vai ser indigitado primeiro-ministro dos Países Baixos no futuro próximo e que as conversações sobre coligações vão arrastar-se”.
“A formação de um Governo não vai ser fácil, uma vez que vários países manifestaram preocupações sobre o passado de Wilders, nomeadamente as posições sobre o Estado de direito e a União Europeia (UE)”, completou.
No mesmo sentido, Dharmendra Kanani, porta-voz do grupo de reflexão Friends of Europe, coloca em causa a estabilidade de um Governo chefiado por Wilders.
“Até hoje, só um partido – o pequeno partido antissistema Movimento dos Agricultores-Cidadãos – indicou claramente que quer coligar-se com o PVV”, lembrou o analista.
Necessitando de pelo menos mais dois parceiros de coligação, Geert Wilders poderá ter de caminhar para a moderação e “desistir das suas políticas inconstitucionais”, considerou Kanani.
“Wilders tentou moderar o seu tom de forma a fortalecer a sua posição para tornar-se primeiro-ministro, mas tenho sérias dúvidas de que tenha sucesso”, advogou.
O porta-voz do grupo de reflexão sediado em Bruxelas recordou que, apesar ser norma o partido vencedor das eleições ser convidado a formar Governo, na Europa há exemplos de “os derrotados” formarem Governo com um apoio parlamentar estável e negociado.
“Pense na Polónia, onde a oposição democrática está encaminhada para formar Governo no próximo mês, Espanha onde Pedro Sánchez perdeu as eleições, mas vai continuar a governar, ou até Portugal em 2015”, comentou, remetendo, no último caso, para a génese da “geringonça”, que deu suporte parlamentar a um Governo socialista liderado por António Costa, apesar de a coligação “Portugal à Frente” (PSD/CDS-PP) ter vencido as eleições.
“Olhando apenas para os números, a coligação liderada por Timmermans e formada pelos Trabalhistas/Verdes, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia, o Novo Contrato Social e D66 poderia formar uma maioria estável. Contudo, não podemos esquecer uma coisa: uma semana é muito tempo em política”, advertiu.
O Partido para a Liberdade (PVV), de Geert Wilders, conquistou 37 lugares na Câmara dos Representantes, muito mais do que as sondagens previam, mas Wilders precisa do apoio de 76 deputados dos 150 no Parlamento para governar e, por isso, procura parceiros para construir uma coligação maioritária, como é habitual nos Países Baixos.
Os democratas-cristãos (NSC, 20 cadeiras) eram vistos como um possível parceiro, mas o seu líder, Pieter Omtzigt, escreveu, numa carta ao negociador encarregado de explorar possíveis acordos, que “NSC não vê base para entrar em discussões com o PVV sobre um governo maioritário ou minoritário”.
A visão do PVV “contém posições que “são contrárias à Constituição”, frisou Omtzigt, razão pela qual o partido traçou uma “linha vermelha”.
O manifesto do partido que venceu as legislativas defende a proibição das mesquitas, do Alcorão e do uso de lenços de cabeça pelas mulheres muçulmanas, bem como a organização de um referendo sobre a saída dos Países Baixos da União Europeia (“Nexit”).
Wilders moderou as suas posições durante a campanha eleitoral e enfatizou desde a noite das eleições que pretende ser “o primeiro-ministro de todo o povo neerlandês”, sem distinção de origem ou religião.
No final da noite eleitora, Wilders frisou que era a favor de uma coligação com o NSC, o partido dos agricultores (BBB, sete cadeiras) e o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD, liberal, 24 cadeiras).
Mas este partido, do qual provém o primeiro-ministro cessante, Mark Rutte, já descartou a possibilidade de integrar um governo liderado por Wilders, garantindo ao mesmo tempo que estaria pronto para “apoiar uma coligação de centro-direita”.
Wilders, que apelou aos líderes dos partidos que vê como parceiros de coligação para se sentarem à mesa de negociações, garantiu que ele e o seu partido estavam preparados para serem “firmes, mas razoáveis” nas suas políticas.
Também levantou a possibilidade de um governo minoritário, se não conseguir construir uma coligação com maioria.