Numa das salas do Museu de Serralves, pequenos e grandes ecrãs retratam agora o trabalho de mais de duas décadas do belga Francis Alys.
A tentativa de procurar os jogos infantis e a universalidade do ato de brincar levou-o a mais de 15 países, alguns dos quais em conflito, como Iraque, Afeganistão, Ucrânia ou Republica Democrática do Congo.
Na maioria dos filmes, da série “Children’s Games (1999 – Present)”, não há recreios. As brincadeiras e os jogos pertencem às ruas e as regras são, muitas das vezes, fruto da imaginação.
No Iraque, várias crianças jogam, num chão enlameado, à macaca. As linhas não são visíveis, mas a imaginação permite que não se desequilibrem e percorram todas as casas. Já em Cuba, as crianças desafiam as ruas, empoleiradas em tábuas de madeira, numa versão cubana dos antigos carros de rolamentos.
Se algumas brincadeiras são pura imaginação, outras são atos de resistência.
A proibição de brincar com papagaios no Afeganistão não impediu duas pequenas crianças de o fazerem, ainda que sob as suas cabeças sobrevoem helicópteros militares. No Iraque, a proibição de jogar futebol não impediu que vários jovens a contrariassem.
“Foi um ato de bravura e resistência extraordinário. Tenho muita admiração por estas crianças”, afirmou aos jornalistas o artista belga, explicando que enquanto filmava aquele que parecia “o simulacro de um jogo de futebol, os disparos eram constantes”.
A resistência e bravura das crianças são retratadas noutros filmes: na Ucrânia, três crianças simulam um ‘check-point’ e pedem aos condutores para dizerem a palavra ‘pão’. Esta simples palavra permite-lhes saber se o condutor é russo ou ucraniano.
Além de pura imaginação e atos de resistência, há brincadeiras que se assemelham a gritos de sobrevivência, como na República Democrática do Congo, onde várias crianças e jovens gritam, em uníssono, para espantar mosquitos e matar as fêmeas dessa espécie que transmite malária.
Na principal sala da exposição, o barulho proveniente das brincadeiras é, como habitualmente, intenso, envolvendo os visitantes. Tal contrasta, no entanto, com uma pequena sala escura onde cinco crianças pintam com giz o chão, numa alusão aos jogos solitários.
O barulho contrasta também com o piso inferior do museu, para onde a exposição se estende, e onde é retratada a origem e história dos jogos de crianças.
Além dos filmes, a exposição integra mais de duas dezenas de quadros pintados pelo artista. Um desses quadros retrata várias crianças na capital ucraniana a brincarem numa vala provocada pela queda de bombas e mísseis.
À margem da exposição, Francis Alys afirmou aos jornalistas que, fruto da evolução das cidades e do medo dos pais, as brincadeiras e jogos de rua estão a desaparecer.
“Com a falta de confiança e medo que os pais têm das ruas, os jogos de crianças estão a desaparecer”, salientou.
Na exposição, que tem como curadora Florence Ostende, há diversos jogos conhecidos pelo público geral, alguns com mais de 3.000 e 4.000 anos, e outros mais modernos.
“É um convite para que os pais recordem as crianças que foram e entendam a importância de as crianças brincarem”, salientou o artista.
A presença Francis Alys e da sua equipa na cidade do Porto levou-o a incluir na mostra dois jogos tradicionais portugueses: o pau de sebo e um jogo que envolve cordas.
A exposição “Francis Alys: Ricochete” permanecerá no Museu de Serralves até 16 de março de 2025.