As recentes declarações de Luís Montenegro sobre os apoios do Governo à comunicação social são mais uma clara evidência da promiscuidade entre o poder político e os media. Mostram como os governos continuam a “comprar” o jornalismo, transformando-o numa ferramenta de manipulação das massas, uma peça central no jogo político para moldar perceções e controlar o discurso tentando silenciar a oposição que os afronta.
Basta olhar para o percurso de figuras de destaque. Marcelo Rebelo de Sousa foi, na prática, “eleito” pela TVI. Agora, dez anos depois, a cadeira gira novamente. Marques Mendes, com uma presença estratégica na SIC Notícias, já faz o aquecimento, almejando ser o próximo “eleito” pelos estúdios. E Paulo Portas, sempre atento, observa uma oportunidade de ouro para regressar à ribalta, desta vez também pela TVI. O ciclo é evidente, os favores circulam de mãos dadas entre a política e os grupos de media, num vaivém onde quem detém o poder manipula a narrativa.
É fundamental desconstruir as palavras de Montenegro, traduzindo-as na sua essência para que se compreenda o real alcance desta dinâmica perversa. Quando ele fala de um “jornalismo financeiramente independente”, está, de facto, a admitir a subjugação da informação ao dinheiro e aos interesses. Basta lembrar os 15 milhões de euros de apoios que António Costa deu aos media em 2020 durante a pandemia. E é importante também lembrar que “não há almoços grátis”. O que esta medida significa é que o poder oferece, mas espera lealdade em troca, criando um ciclo de dependência em que a liberdade de imprensa é cada vez mais comprimida. Tudo isto feito com o dinheiro dos contribuintes.
Quando refere “perguntas sopradas ao ouvido”, está a denunciar, consciente ou inconscientemente, a perda da independência dos jornalistas e que se tornam cúmplices do poder. Montenegro, com estas declarações, acaba por nos mostrar que “é tão importante termos maus políticos como maus jornalistas” – porque ambos, em conjunto, podem prejudicar a democracia.
Quando Montenegro fala em “combater ferozmente a desinformação que se passa nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais”, revela o verdadeiro temor da classe política face ao poder das plataformas digitais. As redes sociais, por serem mais difíceis de controlar, são vistas como uma ameaça à hegemonia narrativa que o poder político tenta garantir nos media tradicionais.
O que dizer, então, da proposta de oferecer 400 mil assinaturas digitais a estudantes do ensino secundário? Trata-se, claramente, de uma tentativa de doutrinação precoce, de manipular as mentes na adolescência, assegurando que nas universidades continuem a ser moldados pelo mesmo discurso. É uma extensão do que já ocorre em certos círculos académicos, como naquele instituto de gestão ali para os lados da Avenida das Forças Armadas, em Lisboa, onde se forma uma geração de futuros líderes já imbuídos da ideologia dominante. Esta proposta mostra um retrato aterrador da situação actual, em que o Estado age do lado da procura, manipulando a sociedade e as suas preferências para que as pessoas procurem má informação, ou pior, desinformação. O objetivo? Oferecer-lhes os meios para consumirem essa mesma má informação, controlando o discurso, o debate e, em última instância, o voto.
Montenegro sente a ameaça das redes sociais porque, ao contrário dos media tradicionais, elas não estão à venda tão facilmente. A capacidade de resistência e liberdade de
expressão que as redes representam escapa ao seu controlo. É precisamente por isso que se torna vital defender a pluralidade informativa e garantir que as novas gerações, longe de serem doutrinadas, sejam encorajadas a pensar criticamente, a questionar e a procurar fontes diversas.
O futuro da democracia depende disso pois está em perigo. Depende de cidadãos informados, de jornalistas livres e de uma comunicação social que se recuse a ser subjugada pelos interesses políticos e económicos. Só assim poderemos travar a degradação do debate público e resgatar a democracia das mãos de quem a quer transformar numa mera marioneta do poder.