O mundo e a Europa estão a atravessar uma mudança profunda. Mas para perceber os seus contornos é preciso ignorar certa propaganda, abstrair do que nos media é ditado pela cegueira anti-Trump da generalidade dos comentadores e noticiaristas que, depois de se enganarem e enganarem o público com as previsões da eleição americana, persistem no erro e continuam a enganar quem ainda os ouve, quais incontritos astrólogos falhados. É um coro algo estridente, mas que vale o que vale.
A eleição de Trump, nas condições em que aconteceu, com a barreira da propaganda da chamada “informação de referência”, só foi possível porque uma maioria de americanos se deu conta da crise a que a dupla Biden-Harris os conduziu, com uma situação económico-social agravada pela inflação, pela imigração ilegal e também pelos efeitos do wokismo. E quiseram dizer não; que estavam fartos. Nesse sentido, a dupla vencedora, Trump-Vance, mais do que uma causa é uma consequência, a consequência da revolta popular contra a “war forever” dos neocon-servadores e contra o experimentalismo social e os delírios irrealistas de engenharia vocabular e biológica das elites globalistas e belicistas.
O fenómeno não é exclusivo da América. Na Europa, por razões paralelas embora não coincidentes, também se faz sentir de há duas décadas para cá. A crise económico-financeira de 2007-2008 agravou as causas, mas a verdade é que, também aqui, houve uma raiz dominante: a perceção da decadência e as consequências concretas dessa mesma decadência na renda e na imigração para as classes trabalhadoras e para as classes médias, perante o alheamento das “elites governativas”.
Mas enquanto nos Estados Unidos, pelas regras do próprio sistema político-eleitoral e o peso do bipartidarismo, o vértice e o instrumento da mudança veio de dentro, do Partido Republicano, que de certa forma se “refundou”, unificando correntes e sensibilidades – nacionalistas, populistas, paleo-conservadoras, conservadoras; na Europa, a subida dos movimentos, partidos e personalidades da Direita à custa do Centro tem-se dado através de outras forças e sensibilidades político-culturais.
Mesmo tendo valores comuns, as direitas na Europa têm várias faces e diferenças: umas são mais populares, outras mais conservadoras, umas mais identitárias, outras mais liberais. O que não é estranho porque a Direita, por ter valores nacionais, está ligada a tradições e a experiências e a tradições específicas.
Porém, aos grupos que, no seu conjunto, são hoje a segunda força do Parlamento Europeu une-os o anti-globalismo e o anti-federalismo europeu, entendido este como o poder dos órgãos não-eleitos de Bruxelas sobre os governos e parlamentos nacionais, a necessidade de controlar a imigração, a procura realista da paz para os conflitos quentes da Ucrânia e do Médio Oriente e a rejeição da agenda woke.
Mas mesmo quanto a isto, alguns partidos são mais conservadores, como os Fratelli d’Itália, outros mais populistas, como o Rassemblement National, sendo a esmagadora maioria contra a histeria antiamericana e a febre belicista que procura sabotar os esforços de paz de Washington na Ucrânia. A reação do sistema a esta nova força é o uso e abuso das instituições, incluindo do poder judicial, para parar o voto do povo, como vimos no caso da Roménia e agora no de Marine Le Pen, em França.
Portugal, depois de quase meio século de governo da direita autoritária, é governado, também há meio século, por um Centrão cultural e ideologicamente inspirado e manipulado pelo mito da “resistência antifascista”. Convém não esquecer que o regime fundado no 25 de Abril e na Constituição de 1976, depois de destruir as alternativas da direita nas “inventonas” de 28 de setembro de 74 e de 11 de março de 75, só permitiu, por muito tempo, a chamada direita da Esquerda. Isso mudou, e ainda bem.
Mas a direita portuguesa, nacional-conservadora ou nacional-popular, tem de saber aproveitar bem os bons ventos da História e transformar o protesto dos portugueses, oprimidos e fartos da hegemonia da Esquerda e do Centrão, em convicções, em nome do patriotismo, do cristianismo e do justicialismo. Com serenidade e, sobretudo com verdade, com inteligência e sem demagogia. E em solidariedade com a nova direita euro-americana.